Ferrer fala de seu trabalho

Perfeccionista, músico e ator de Montes Claros está em Unaí para fazer o “resgate” do mundo cultural da cidade Por Alda Alves Barbosa fabio Fábio Ferrer é mineiro de Montes Claros e está em Unaí a convite do empresário Bordon Silvério Martins e Silva para tornar real o sonho dos unaienses de ter um espaço para se descobrirem. E a Casa da Cultura está nascendo para aprofundar o que sempre ficou em suspenso:está nascendo de uma necessidade quase que imediata de nos encontrarmos, de nos vermos, de respondermos a eterna pergunta: Quem é o povo unaiense? De onde eles vieram? Do que gostam? Do que… Do que… Estas respostas virão à medida que cada canto da “Casa da Cultura” for preenchido por “Pedaços de nós.” Em cada “nós” existe uma familiaridade com os Drummond, os Pessoas, violeiros, as Adélias Prados, as donas Bentas, os Rolandos Boldrins, as Inezitas Barrosos… Ali encontraremos para ouvir, cantar e cantar, fazer, aplaudir. Faremos disto o nosso cotidiano: uma exigência que se pode traduzir como sendo de beleza, de amor, de liberdade de ser do jeito que somos: mineiros sim, mas das Gerais.

Profissionalmente como você se define?

Sou formado em Música, Canto Lírico, em Composição, Artes Cênicas; sou pós-graduado em Patrimônio Cultural, Conservação Integrada pelo CRECI. Cursei Turismo (incompleto) e sou autodidata em Artes Plásticas. Fui professor de Expressão Vocal na Universidade Federal de Ouro Preto. Sou ator (tive oportunidade de atuar em duas novelas) fiz teatro com peças bastante significativas e cinema.Também sou escritor.

Você construiu “um mundo” de arte. Como é viver dentro desse contexto lúdico? Difícil conciliar tantas possibilidades? Bom, é muito difícil. Na verdade eu me disperso demais e as artes exigem muita dedicação. E este leque de possibilidades me fez abdicar da música, da minha parte de escultura de atelier (quando eu o tinha). O mesmo aconteceu com a literatura. Ao fazermos escolhas um lado sempre ficará prejudicado e isto aconteceu e está acontecendo comigo. Atualmente estou atuante nas artes visuais; essa coisa de restauração, de adequação… Mas o meu projeto de vida ainda é musical.

Você disse que seu projeto de vida ainda é musical. Já conseguiu estipular uma data para o recomeço?

Ainda não. Meu sonho é realmente o resgate musical. Eu preciso dar mais vazão para esta área que embora seja a minha prioridade, com tantas vertentes, ela sempre ficou para trás.

Qual é a ética de uma restauração?

Existem varias éticas de intervenção. A ética mais usada quando se faz uma restauração de um bem móvel, por exemplo, um retábulo, um detalhe de um ornamento ou um detalhe de imaginária, você volta e aquele espaço de monocromia tendo que deixar um pequeno detalhe para dizer que ali já foi feita uma intervenção. Mas na intervenção de bens imóveis, por exemplo, no caso de edificações, sou de uma linha de resgatar o máximo possível à feição, trabalhar com a estética sem me aproximar da forma agressiva das técnicas contemporâneas. Isso acaba com a preocupação de que isto é novo, isto está sendo feito agora. Muitos esquecem que o mais importante é o antigo.

No Brasil, principalmente nosso “Sertão das Gerais”, o costume é derrubar o passado para construir o futuro. Portanto, você como restaurador tem em mãos uma(s) fotografia(s) e alguns “restos mortais” que insistem em sobreviver. Como é imaginar o passado para depois reconstruí-lo?

Louca pergunta! (risos). Gosto de citar uma frase minha que é “O passado é o argumento do futuro”, porque fazer uma intervenção é desafiador para qualquer um. Dependemos do local, do espaço, das conotações culturais, cognitivas. Como vê, envolve uma gama de indicativos para se chegar a um consenso. E esse consenso não será o ideal. Não chegaremos aos cem por cento. Costumo dizer que tentar resgatar o passado é tentar mostrar aquilo que poderia melhor ter sido, porque não há retorno. O fantástico mesmo é a tentativa de se chegar.

Pra começar a construção do que já foi vivido o traçado é seu. A partir do momento que você está nesse passado, ele passa a lhe pertencer? Nossa gente, essas perguntas são altamente fantásticas, filosóficas e conceituais! Esse tipo de pergunta é para se discutir muito. Ela abre um leque imenso de possibilidades. Acho que até o presente a gente não pertence a ele (contemporaneidade). De certa forma nem o futuro. Talvez o passado seja algo que a gente tenta buscar, quer possuir, porque ele representa alguma coisa de âncora, de estabilidade, de identidade, de saber de onde você está destoado.

Qual seu sentimento de estar inserido no processo de resgate do pouco passado visível que restou de nossa Unaí, já que o empresário Bordon Silvério Martins e Silva e você estarão na história unaiense como pioneiros nesse resgate da alma desse pedaço do Sertão das Gerais?

Que maravilha! Acho bonito quando você fala isso: um pedaço! Eu disse hoje algo interessante: “Unaí pode ter a menor história, muito menor que a de Paracatu, mas é a história dela, é a história do Capim Branco”. E isso os habitantes daqui têm que saber. A história unaiense por menor que seja é a história da cidade. Nesse contexto ela é mais importante que qualquer história que seja, porque ela é a história local, e é isto que tem importância. O valor maior é o que está em sua casa só assim você saberá dar valor o que está fora dela. Assim é com a sua cidade ou com a cidade que você mora. Desenvolver isso é de suma importância. Eu me sinto muito honrado se eu estiver contribuindo com esse passado e espero contribuir o máximo possível.

Estamos a 99 km de Paracatu. Uma cidade que sempre preservou seu passado, sua memória. Como foi chegar aqui e ver uma cidade totalmente destituída das lembranças dos ontens?

Quando eu conheci a iconografia de Unaí fiquei pensando… Como pode uma cidade ser praticamente destruída do seu passado por causa de negligência e pela total ausência de um pensamento grande, de um olhar diferenciado. Tiraram dessa geração e das que virão o direito de ter contato com o valor histórico, econômico e sentimental. Estes valores são importantíssimos. Todos têm direitos de vivenciar o passado de sua cidade ou do lugar que escolheram para morar. Não se pode impedir que outras gerações possam usufruir dos valores do seu passado. É bom repensar no que fizeram dos ontens unaienses para que não aconteça o mesmo com o presente que certamente será passado.

A cultura é o nosso norte?

É o norte, o sul, o leste o oeste. Unaí tem hoje várias facetas culturais: músicas, plásticas, artes cênicas; o espaço é grande e diversificado. Quando você cria um espaço você cria uma coisa física, existencial, quando ele existe, por menor que seja ele está mostrando que ele está ali porque nós vivemos nessa dimensão física. Quando se tem uma cultura que fica muito intangível, ela é maravilhosa, mas ela precisa do tangível. O tangível é a materialização. Costumo dizer que temos a mania de separar o bem intangível e o tangível. Ora, o bem intangível naturalmente está tangível. Ele materializa-se. Isso é muito interessante e precisa ser pensado quando se da esta conotação.

Creio que impecável seria o adjetivo que mais se aproxima de você. Você costuma ser impecável em tudo que faz?

Eu tenho uma tendência ao perfeccionismo. Sou detalhista demais. Muitas vezes me perco. Hoje, com o passar do tempo, e claro, com o amadurecimento que o passar do tempo nos concede, eu tive que conscientizar-me de que muitas vezes essa perfeição já não tem a mesma importância, já não é tão essencial. Na verdade nada chega à perfeição e, se insistirmos, o trabalho não flui tanto. Senti isso em alguns trabalhos que eu fiz. Hoje, mesmo tentando ser detalhista, colocando o máximo possível para trazer o máximo possível de esclarecimento e de conhecimento cognitivo, sei da impossibilidade de se chegar à perfeição. Essa é uma visão diferente que o tempo me proporcionou.

Unaí é uma cidade onde muitas culturas convivem ou tentam conviver. Você acha possível as pessoas que não são “raízes” daqui se interessarem pelo que “não pertence a elas”, no caso, a história do passado Unaiense?

A mesma situação que está acontecendo em Paracatu. Paracatu abriu um leque muito grande para moradores que vieram de outros lugares. As universidades, principalmente a de medicina, contribuíram para isso. Ouro Preto já viveu e vive esse processo há muitos anos. Penso que quando alguém mora em algum lugar parte de sua vida está ali. Não tem como eximir a cidade de sua vida. Eu sugiro para qualquer morador, seja aqui ou em outra cidade qualquer, que viva essa cidade, porque ela vai lhe proporcionar estudo, emprego, família… nada mais justo que devolvam algo a ela, ou seja, compartilhe com a cidade que o acolheu. Pensar que alguém vem para Unaí para usá-la é um pensamento errôneo porque seria uma autodestruição. É necessário que a pessoa saiba que se ela vive ou viveu em algum lugar, não importa o tempo, ela sempre terá o momento dela naquela cidade, naquele local.

Voltando às artes, você trabalhou sozinho na construção da maior cidade em miniatura do mundo. Fale um pouco sobre ela.

É verdade. Foi uma obra que fiz na cidade satélite do Gama, no Distrito Federal. Trabalhei dois anos e meio com terra de formigueiro e aditivos. É uma cidade  alusiva às cidades de Minas – Ouro Preto, Mariana – mas é uma cidade fictícia. Ela é um mecanismo para se conhecer o glossário arquitetônico e a história colonial brasileira. É uma obra temática e interativa. No ano que vem ela completará 20 anos de existência.

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