O sono que cai sobre mim

0a243622ffd2b4a07d476a0b7985a758 Pelas frestas das janelas dei conta que já era quase noite. Dentro de casa a luz apagada dava um ar lúgubre, sombrio. A cama em desalinho; livros e remédios disputavam espaço dentro da bagunça. Um gato em seu eterno sono há dias parara de ronronar. Nunca me lembro de colocar as pilhas. TV ligada há dias ininterruptamente – vozes que não escuto e imagens que não vejo. No corredor o silêncio do abandono. Na floreira flores murcham e despetalam. Em um canto as margaridas brancas e por isso virgens, mudam de cor… Perderam a virgindade!

Em cima da mesa uma jarra aguardava a pureza das margaridas para enfeitar a vida dos amanhãs. Em meio ao caos fecho os olhos.

Não espero nada, não espero ninguém. A eternidade é o sono que cai sobre mim!

Sonho? Realidade?… Amanhã saberei!

Confissões

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 Quando aqui cheguei, Unaí ainda tateava na escuridão de seu nascimento. Tateávamos. Eu, expulsa do útero materno, ela liberta do julgo de Paracatu lutava para manter-se viva na pós-escravidão. E, esta luta à procura de caminhos e de claridade sempre foi o laço que nos uniu.

Costumo fechar os olhos para abrir minha memória e ver minha cidade tal qual era: o casario bonito de tia Mariana e dindinho Filadelfo, a beleza triste da residência dos Rangel, a igrejinha de Nossa Senhora da Conceição, o Bar Velho, o Bar Novo… poucas ruas, largas… Poeira vermelha para dar e vender, e quando as chuvas abundantes molhavam o cerrado, a poeira se transformava em lamaçal. Andar pelas ruas exigia equilíbrio. Pobres moças vaidosas! Cambaleavam em cima dos seus sapatos de saltos altos… Acrobacias necessárias.

Unaí era um verdor pela quantidade de árvores do cerrado ainda intacto e pelos quintais coloridos pelos pés de mangas, carambolas, jabuticabas, jatobás, goiabas, cajus, tamarindos, bananeiras, laranjeiras… flor da laranjeira, virgem flor!… Tudo isso desapareceu com os loteamentos para edificar novas moradias. Tudo acabou! Todos se foram!

Meu encanto maior era o tapete de folhas forrando o chão do cerrado, cheio de frutos, de flores tímidas, de pássaros, e de cobras. Pássaros destemidos. Faziam seus ninhos ao alcance de nossas mãos. Desconheciam a crueldade da meninice!

Menti. Meu encanto maior era o Rio Preto! Águas rasas, profundas… Águas escuras para clarear as roupas… um dedo de prosa com Ana e Otília… A vida, a morte… Todas se foram!

Naquele tempo a vida não variava. Tudo era igual, repetível! As janelas não existiam!

       Alda Alves Barbosa

Mural:

Fomes… Sedes…

noite
Às vezes durmo na madrugada
E acordo após alguns instantes de sono
Levanto-me sonolenta
Sinto fomes… Sinto sedes…
Na geladeira sacio minha fome,
Sacio minha sede.
Na geladeira não há fatias
De sonhos, não há sucos de vida
Tenho fome… tenho sede…
Em mim um coração oco
Em mim um olhar enevoado…
A palavra vida fica retida na garganta.

Alda Alves Barbosa

Alheamento

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Reside em mim uma inadequação entre o que me pertence e o que sou. Sinto que sou sem a necessidade de estar atrelada aos pertencimentos. Desnecessários são os laços? Viver com o absurdo do só, fenecer com a vacuidade do só!…

Nada parece real. O dia deixa meu coração agitado; fico alheia a mim, fico alheia ao mundo! Estranho mundo… A vida esvoaça, nada mora em mim, me desconcebo. À noite, – grandes horas – concebo-me, pertenço-me. Minha alma acende e torno-me eles, com laços e nós.

Na noite eu sou o que nasce de mim!

Alda Alves Barbosa

Entardecer

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O entardecer tirou do meu olhar o luzir do sol… Nas noites estelares minhas vistas não alcançam o brilho intenso das estrelas… As fomes de amor desvaneceram! Não sinto necessidades de abraços, mas sinto o frio penetrando em minha carne, em meus ossos frágeis.
Não há mais horizontes para transpor. O que eu sou era o que tinha de ser. Nada mais há para ser. Meus sonhos diluíram com o tempo… sonhos líquidos que escorreram entre meus dedos à procura de fios d’água para desaguar.
Meus jardins, nos ontens floridos, hoje são apenas pétalas estioladas forrando o chão.
O chão… a terra… o pó…

Alda Alves Barbosa

Assim é a vida

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Abro os braços
para receber
o amor
o desamor
a dor,
a cura
o existir
o inexistir
a ansiedade
a calma
o amigo
o inimigo
as fomes
o alimento
a angústia
a náusea…
Abro os braços
para receber o outro
para receber a mim
para viver as mortes
para viver a vida!

O que é mais humano que esta indistinta possibilidade de tudo?

Alda Alves Barbosa

Nada sei…

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O que sei da vida? O que sei de mim? Se nada sei sei da vida, como saber de mim? Passo a noite sem dormir à procura da poesia… Por que necessito ir em busca da poesia se a noite é quem escreve meus versos?

Ando esquecendo de mim… Não basta lembrar-me de mim para saber quem sou. Preciso ser. Ser o riacho, o fio d’água correndo entre as pedras, ser o canto, o recanto! Preciso ser a poesia de uma dança ritmada, de palavras suadas, costuradas em feixes de sonhos.

Mas não sou poeta… Não sei o que sou! Se eu fosse poeta certamente eu saberia! De mim sei apenas que gosto de voar!

Alda Alves Barbosa