Ecos do Cerrado – A Importância das Veredas

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Em uma correspondência com o tradutor italiano
Edoardo Bizzarri, João Guimarães Rosa explicava:
“Há veredas grandes e pequenas, compridas
e largas. Veredas com uma lagoa; com um brejo
ou pântano; com pântanos de onde se formam e
vão escoando e crescendo as nascentes dos rios;
com brejo grande, sujo, emaranhado de matagal
(marimbú); com córrego, ribeirão ou riacho.

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       Se há muito tempo que as populações do cerrado sabem muito bem o que são veredas, não se pode dizer o mesmo dos cientistas, pois ainda não existe uma definição universal do que é uma vereda:  botânicos, geógrafos, ecólogos, engenheiros florestais entre outros têm várias definições para o ambiente de veredas. Os elementos comuns a essas definições incluem os fatos de serem áreas  úmidas que acompanham os cursos d’água, com solos orgânicos, geralmente caracterizados pela presença marcante das palmeiras buriti.

A caixa d’água do cerrado

       O que todos concordam em dizer, é que as veredas  são associadas ao cerrado e armazenam a preciosa água durante os longos meses de estiagem. O  conhecimento popular descreve as veredas como  “a caixa d’´agua do cerrado”, substituindo lagos, lagoas e pântanos ausentes na maior parte dele.

       Como as águas superficiais são rapidamente evaporadas durante os meses de seca, a única água disponível vem geralmente do subsolo: o aquífero. Essa água armazena-se nas cavidades e na porosidade da rocha onde é protegida dos raios solares que, se estivesse na superfície, evaporaria. O aquífero pode ser comparado a uma esponja que, nas suas partes mais baixas, deixa a água chegar à superfície. São nestes lugares justamente que se encontram as veredas que representam, para o aquífero, pontos de reabastecimento em água; especialmente durante a época das chuvas.

O ciclo de vida das veredas.

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       Essa posição “estratégica” onde encontram-se o aquífero e o ar cria condições ideais para o desenvolvimento de uma vegetação exuberante; cria verdadeiros oásis na secura do cerrado. O estado permanentemente úmido do solo é particularmente favorável ao crescimento das palmeiras buriti, o símbolo da vereda. Porém, o buriti, como a vereda, precisa da variação sazonal do nível da água e não resistiria nem a um estado permanentemente inundado, nem a vários anos de seca. A vereda vive e cresce nesta “pulsação” das águas do aquífero. A própria presença das gramíneas beirando geralmente a parte central da vereda, pode ser explicada por esta variação sazonal, pois, as gramíneas são especialmente bem adaptadas para resistirem tanto as inundações anuais quanto aos longos meses sem água. Estas bandas de capim natural são justamente a expressão da transição entre o cerrado seco e a vereda úmida.

       A ocorrência das veredas condiciona-se ao afloramento do lençol freático, exercendo papel fundamental na manutenção do sistema hidrológico. Dessa forma, as veredas desempenham papel essencial na proteção de nascentes, sendo consideradas áreas de preservação permanente pelo Código Florestal Brasileiro. Além disso, as veredas são ecossistemas únicos no Cerrado, possuindo espécies, interações e processos ecológicos particulares (Tubelis 2009).

       As veredas, assim como os campos úmidos associados a elas são áreas úmidas, caracterizadas por solos encharcados e, portanto, são também grandes armazenadores de carbono (Meirelles et al 2006) e estão hoje entre os ecossistemas mais ameaçados. Apesar dessa importância, as Veredas têm sido progressivamente pressionadas em várias localidades do bioma Cerrado pelas atividades agrícolas e pastoris.

     Guimarães Rosa, (1986, p. 29-30), em sua obra Grande Sertão: Veredas, (36 edição, 1986), faz uma das melhores descrições perceptivas do ambiente de Veredas:

[…] Saem dos mesmos brejos – buritizais enormes. Por lá, sucuri geme. Cada sucuriú do grosso: voa corpo no veado e se enrosca nele, abofa – trinta palmos! Tudo em volta, é um barro colador, que segura até casco de mula, arranca ferradura por ferradura. Com medo de mãe-cobra, se vê muito bicho retardar ponderado, paz de hora de poder água beber, esses escondidos atrás de touceiras de buritirama. Mas o sassafrás dá mato, guardando o poço; o que cheira um bom perfume. Jacaré grita, uma, duas, três vezes, rouco roncado. Jacaré choca – olhalhão, crespido do lamal, feio mirado na gente. Eh, ele sabe se engordar. Nas lagoas aonde nem um de asas não pousa, por causa de fome de jacaré e de piranha serrafina. Ou outra – lagoa que nem abre o olho, de tanto junco. Daí longe em longe, os brejos vão virando rios. Buritizal vem com eles, buriti se segue, segue. Para trocar de bacia o senhor sobe por ladeiras de beira-de-mesa, entra de bruto na chapada, chapadão que não se desenvolve mais. […].

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       Essa definição de Guimarães Rosa (op cit) demonstra uma percepção de quem realmente vivenciava o ambiente das Veredas. Através de sua leitura, consegue-se visualizar as características e os componentes reais que compõem as mesmas. Mesmo quem não conhece o ambiente real, consegue imaginar as características que o compõem pela riqueza dos detalhes na descrição do autor, que viveu e vivenciou as paisagens do Cerrado.

         Boaventura (1978, p. 111-112), ao caracterizar Vereda, chama a atenção para a necessidade de sua proteção em função de sua fragilidade, como descreve: “Genericamente as veredas se configuram como vales rasos, com vertentes côncavas suaves cobertas por solos arenosos e fundo planos preenchidos por solos argilosos, frequentemente turfosos, ou seja, com elevada concentração de restos vegetais em decomposição. Em toda a extensão das veredas o lençol freático aflora ou está muito próximo da superfície. As veredas são, portanto, áreas de exudação do lençol freático e, por isto mesmo, em todas as suas variações tipológicas, são nascentes muito suscetíveis de se degradarem rapidamente sob intervenção humana predatória.”

        Segundo Lima (1991, p. 213), a Vereda funciona como um filtro, regulando o fluxo de água, sedimentos e nutrientes, entre outros terrenos mais altos da bacia hidrológica e o ecossistema aquático. Pode ainda servir de refúgio para a fauna, numa área de ocupação agrícola e pecuária muito intensa, porém, a preservação das Veredas se impõe, sobretudo, pelo fato de que o equilíbrio dos mananciais d’água depende diretamente disto. Essa regulagem determina sua contribuição para o curso d’água, cuja área saturada se expande ou contrai, dependendo das condições da umidade depositada, ou seja, das precipitações e da capacidade de retenção e escoamento do solo.

       No processo de ocupação do Cerrado, as Veredas eram vistas como áreas “perdidas” em função de seu aspecto brejoso. Diante disso, foram e continuam sendo constantemente queimadas para limpeza, plantações de culturas para subsistência e formação de pastagens a serem usadas no período da seca. Outros proprietários usam as Veredas como áreas para entulho de restos de desmatamentos. Mais recentemente, com o desenvolvimento de técnicas de irrigação, as Veredas têm sido utilizadas para construção de barragens com a finalidade de acúmulo de água a ser usada nos pivot e sistemas de irrigação. Assim, vemos que não se cumpre o determinado na Legislação Brasileira, emitidas pelos órgãos “competentes”.

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        Os órgãos institucionais auferidos da competência de gerir e fiscalizar o cumprimento da legislação ambiental tem feito “vistas grossa” no que se refere à preservação das Veredas.

        Por tudo isso, as veredas são de imensa importância na manutenção do equilíbrio ambiental no bioma cerrado e devem ser preservadas, mas mesmo assim, as veredas são ambientes que sofrem forte pressão antrópica. Resta-nos apenas exigir posições do poder público na defesa das veredas e conscientizar as pessoas quanto ao valor imensurável desse patrimônio natural – a rica paisagem das veredas.

Lucian Grillo

Galeria:

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Referências

Clique para acessar o original_MENDES_ldevone_bioma_cerrado.pdf

Medindo o pulso das veredas de Minas Gerais – Philippe Maillard