Minhas, ou nossas fomes?

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Sim, sou eu essa mulher que debaixo do sol ardente, debruça sobre o asfalto quente para colher o lixo que alguém plantou.

Sim, sou eu essa mulher que sem nenhum receio, pede de maneira afável, que joguem o lixo no lixo.

Sim, sou eu essa mulher que muitos recebem com sorrisos benevolentes, quando peço-lhes que deixem a calçada livre para o povo unaiense passar!

Sim, sou eu essa mulher que se indigna quando decepam as poucas árvores do nosso cerrado, ou quando mutilam seus galhos, tirando-lhes a beleza verdejante.

Sim, sou eu que amo flores e derramo lágrimas na primavera unaiense – primavera sem cores, sem perfumes… amores imperfeitos.

Sim, são minhas estas lágrimas doídas que se juntam às águas do Rio Preto, com saudades dos peixes dourados, amarelos brilhantes como a luz das estrelas.

Sim, são minhas estas palavras… são meus estes olhos cheios de encantamento pelas esculturas que o tempo molda nas grutas, e que poucos têm a oportunidade de contemplar.

É minha essa fome de educação, de cultura, de flores, de sombras…

Nada é só meu… Nem os sonhos, nem os pesadelos. Temos em comum a esperança de uma evolução de mentalidade, para que aconteça uma verdadeira transformação em nossos hábitos.

A verdade é que sei que essas fomes não são só minhas, são nossas, e por isso acredito no despertar unaiense.

Alda Alves Barbosa

O jogo político unaiense

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Naqueles tempos sombrios, ditadura brava, não se podia conversar muito. Quem falava demais poderia ser enquadrado na lei de segurança nacional. Mas o mineiro dava sempre um jeitinho e ia levando.

Um grupo de comerciantes desse chão, exatamente seis (três duplas), reuniam todas as noites pra jogar truco. Duas duplas se enfrentavam e uma ficava de fora, quem perde levanta, quem ganha joga contra a dupla que estava de fora. Ali é que a conversa rolava. Falava-se de tudo. Mas o prato predileto, é claro, era a política, e de preferência a política local.

Cada dia o jogo acontecia na casa de um dos seis. Após as partidas saía um café no capricho, sempre acompanhado de pão de queijo e outras delícias de nossa terra. Era a desculpa para ficar mais tempo regando o canteiro de prosa… “sempre de política”.

Ano eleitoral. Seu João Rogério, um dos jogadores, resolve se candidatar a vereador. Algumas desconfianças… mas a vontade era dele; cada um sabe de si… cada um sabe o que quer…

Naqueles dias a política unaiense estava quente. Como sempre uma baixaria só. Fofoca para todo lado, pichações e folhetos apócrifos falando mal dos adversários. Isso era o que mais tinha. O juiz da comarca – responsável pelo processo eleitoral -, convocou uma reunião para avisar que se o nível da campanha não melhorasse, a coisa não ia acabar bem. Seu João Rogério compareceu na reunião com o Dr. juiz. No dia seguinte, indagado pelos companheiros de truco sobre a bendita reunião, ele mudou um pouco a conversa. Disse que o juiz tinha convidado apenas os candidatos considerados já eleitos, para mostrar como gostaria que nós – os políticos – administrássemos  a cidade após as eleições. A pergunta foi uma só: ” O juiz chamou o senhor?” – Sim, todos os considerados eleitos – respondeu Seu João Rogério.

Chegou o dia das eleições. Todos votaram no Seu João Rogério. Nos dias da apuração meu pai, que era um dos jogadores, ficava ansioso por resultados e me mandava para porta do Clube Itapuã – local da apuração – para anotar os resultados. Sempre querendo saber dos votos do Seu João Rogério. Eu já estava com vergonha, pois até o terceiro dia de apuração só tinha contado seis votos para ele. Levei uma bronca danada do meu pai: “Você não sabe anotar nada! Vai pra lá só pra namorar e não presta atenção no resultado das urnas. Onde já se viu, Seu João Rogério, candidato considerado já eleito só ter seis votos?”.

Nesses três dias não teve truco. No quarto dia, jogo marcado, lá vem Seu João Rogério, que antes mesmo de chegar já foi questionado pelos amigos: “E aí como é que foi a votação? eleito mesmo?” Com o olhar desconsolado e derramando revolta respondeu: “Seis votos… e não sei nem quem foram os trouxas que votaram em mim!…” Todos os cinco levantaram a mão: “Eu, eu votei”.

Resultado, se não fosse jogador de truco o Seu João Rogério só teria o voto dele mesmo. Passaram-se muitos dias sem se falar em política nas rodas de truco.

Colaboração do leitor Orlando Ribeiro.