Cadeiras fantasmas – Desabafos

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A verdade é que nesse chão se passam coisas que até Deus duvida. Quem? Quem haveria de supor uma sandice dessas? Mas por aqui, não é de se surpreender que sandices sejam verdades verdadeiras. Não sou de fazer rodeios para contar as coisas, mas sou mineira e não fujo a regra. Pois bem, não percamos tempo, vamos ao assunto. Ou é um causo? Sinceramente? Não sei. Diante do que vou expor, a minha incerteza é justa.

Vejam vocês, como pode algo que não existe emitir certificados, títulos, realizar reuniões com assuntos importantes e possuir inclusive pessoas imortalizadas? As “reuniões importantes” ou “desimportantes” que eu nunca participei… Dizem as más línguas que elas eram feitas na calada da noite com apenas umas duas, três ou quatro pessoas. Um jeito pequeno de se reunir, penso eu.

Primeiro pensemos sobre as atribuições básicas de uma Academia de Letras. Um grupo que se proponha a um fim de criar uma “Academia Cultural” em sua cidade, deve se responsabilizar por um assunto extremamente importante: a cultura advinda da literatura produzida no local. Oras, não banalizemos essa função. Não basta participar dos lançamentos de livros e derramar no ambiente, verborragias desnecessárias. Literatura é coisa séria; arte é coisa séria; A arte de fazer arte é coisa séria; portanto, respeito é o mínimo que o escritor e o artista esperam de seus semelhantes. Mas parece que alguns não os veem com olhares de seriedade, de pessoas compromissadas com a cultura e a educação de sua cidade. Parece? Não, desculpem-me, tenho certeza. Imaginem vocês que a Academia Unaiense de Letras e Artes, e tudo que se relaciona a ela, não passam de devaneios! Uma forma grotesca de perpetuar no pensamento uma pseudo-intelectualidade. Pensar não é ser. Pensamento sem ação fica sendo apenas moradia do imaginário.

Vamos imaginar: imaginemos que havia reuniões e que todos os membros participavam; imaginemos que há ata de tais reuniões; imaginemos que todos nós, sem exceção, pertencentes da “AULA” fomos convocados para escolher o próximo acadêmico a ocupar, se não me engano, a quadragésima cadeira da Academia Unaiense de Letras e Artes. Imaginemos… imaginemos… imaginemos… Tudo não passa de um grande imaginar!

Uma Academia precisa de movimento, de fomentar a cultura local. Certificados e diplomas às pessoas que publicaram livros é um reconhecimento muito raso – não digo insignificante, porém simbólico, dado à luta que os escritores travam para criar, para pagar a editoração do acúmulo de ideias que pontuam em livros. Transformar ideias em palavras e entregar para que o outro leia requer coragem para se expor. Dessa entrega resultam críticas nem sempre positivas. Uns gostam, outros não. Despimos para o outro e ele nos aceita ou nos rejeita. É um risco que temos que correr. Mas eu particularmente não desejo ser escada para ninguém. Meus livros falam por mim. Gostaria de pertencer a uma Academia, claro, mas primeiro ela precisa existir e eu merecer. Até acredito que ela ainda esteja sendo gestada, mas após 06 anos já era para estar entre nós. Parto difícil!… Mas me presentearam com um cartãozinho de participação de nascimento! Esquisito… muito!

Alimentar egos e ainda ter que transformá-los em superegos não condiz com meu jeito de estar na vida. O mundo está cheio de pessoas que necessitam de afagos legítimos e eu estou entre aqueles que estão dispostas a lutar para que nada falte aos que necessitam desse pão!

Escritores precisam de apoio concreto, não idealizações sem andadas que não chegam a lugar nenhum. Escritores costumam ter sensibilidade aflorada e sonham com um mundo melhor onde ele possa contribuir com seu desnudamento para vestir aquele que o lê e gosta do que está lendo. Isto já o realiza. E o realiza mais ainda ver perpetuar a cultura em suas diversas formas; inflar sua cidade de poesia – e quando me refiro à poesia, não restrinjo apenas as que preenchem folhas de papel em branco. Poesia é maior que palavras. Poesia é o olhar. As palavras descrevem o sentimento do olhar. Portanto, o que diferencia a poesia do comum são as cores com que colorimos o mundo!

Fazer poesias, respirar toda a cultura que nós, enquanto sujeitos sociais e históricos produzimos cotidianamente, vai além, muito além do simples ensejo de uma publicação.

Valorizemos as letras sim! Mas para que essa valorização se dê efetivamente, precisamos em primeiro lugar cobrar uma organização real de uma “Academia Cultural,” com pessoas que sejam capazes de almejar e propiciar de fato bonitos momentos a este chão que tanto carece de espaços e debates nesse cunho.

Vocês devem estar a questionar o porquê desse causo. Amparada no documento que veem acima confirmei que a “Nossa Academia” não é registrada, portanto não existe. Eu bem que avisei que aqui essas coisas acontecem! Sei da vida corrida de todos os trabalhadores, que ao fim do dia nada mais querem do que retornar às suas casas, ao seu lar, ter um pouco de paz e aconchego. No entanto, lembro a todos do quão gratificante é travar lutas por melhorias para sua cidade, e incito todos, especialmente aos escritores a uma reflexão: deixaremos que fantasmas corrompam o que para nós deveria ser o reflexo da cultura do lugar que nascemos ou escolhemos para morar? Deixaremos que o medo ou o comodismo, sentimentos paralisantes, nos deixem na condição de vassalos? Não é mais saudável sairmos da condição de “imaginários” e abraçarmos esta luta para que parem com essa quase eterna “dança das cadeiras?” Que tal sairmos do imaginário e percorrermos estradas concretas?

Continuo afirmando que ninguém, em momento nenhum, tem que ser espectador da vida. O ser humano precisa apenas reconhecer o seu cansaço e saber-se no momento, incapaz de concretizar sonhos de uma categoria. Sempre haverá algo digno que se pode fazer!

Enquanto continuam imaginando que a Academia Unaiense de Letras e Artes existe, eu consciente da sua inexistência, informo que pertenço à “Cadeira Imaginária” número 12 (doze)! Ainda bem… Fico aqui pensando… e se fosse a 13 (treze)?

 

Alda Alves Barbosa

O Tesouro do Gentio II

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Criança embalsamada há séculos encontrada na Gruta do Gentio II
por José Augusto Nieto

Foto: Ciência Hoje - SBPC/1982

Foto: Ciência Hoje – SBPC/1982

Na Gruta do Gentio II, em Unaí, MG, entre outros achados arqueológicos, encontrou-se o corpo relativamente bem conservado de uma criança. Por meio de um retrosigmoidoscópio, Adauto de Araújo retira material para exame.(Foto do livro “Hunay de ontem e Unaí de hoje” de
Maria Torres Gonçalves)

Uma criança com idade entre 9 e 10 anos com destacada quantidade, qualidade e variedade de acompanhamentos funerários foi encontrada há algumas décadas no Sítio da Gruta do Gentio II, município de Unaí-MG, durante pesquisas arqueológicas. A relativa conservação do corpo indicou que o sepultamento teve características de ritual funerário e possível embalsamamento.

A Pre-História brasileira, nos cinco milênios compreendidos entre 9.000 e 4.000 anos antes do presente, caracterizou-se pelo processo de adaptação de diversos grupos humanos, que habitaram um extenso espaço, frente às lentas transformações ambientais. Embora variando, nas diversas partes que compõem a atual zone tropical do país, em função das peculiaridades topográficas locais, a tendência predominante foi a de um lento e contínuo aquecimento, com fases mais úmidas dominando e que culminariam no que se denomina de “Altitermal”, uma faixa de tempo no final do período em pauta, onde os fatores naturais da vida encontram-se em franca expansão. Os bandos antigos que povoaram essa terra, alteraram gradualmente seus processos culturais e, sem perder os fatores tradicionais, expressos sobretudo na tecnologia lítica, vieram a desenvolver novos comportamentos que culminariam, no período posterior, com a instalação plena das sociedades tribais horticultoras.

A tradição de pesquisas arqueológicas em Minas Gerais é uma das mais antigas de nosso território. A riqueza de seus vestígios pré-históricos atraiu, desde a primeira metade do século passado, inúmeros pesquisadores, com diferentes formações, objetivos e resultados. Apesar desta longa história, ainda podemos dizer que boa parte do território mineiro carece de um maior conhecimento de sua arqueologia e pré-história, seja pela simples falta de pesquisas, seja pela necessidade de pesquisas mais sistemáticas e metodologicamente orientadas. Na década de 1970 a região do Município de Unaí passou a ser estudada pelo IAB (Instituto de Arqueologia Brasileira), sob coordenação geral de Ondemar Dias Jr.

Sítios de 12,000 a 8,00 anos A.P.: 1 Seridó, Rio Grande do Norte; 2 Vale do Açu, Rio Grande do Norte; 3 Bom Jardim, Pernambuco; 4 Brejo da Madre de Deus, Pernambuco; 5 Petrolândia, Pernambuco; 6 Central, Bahía; 7 São Raimundo Nonato, Piauí; 8 Porto nacional, Goiás, 9 Coribe, Bahía; 10 Correntina, Bahía; 11 Vale do Panaña, Goiás; 12 Uruaçu, Goiás; 13 Niquelândia, Goiás; 14 Montalvânia/Junuária, Minas Gerais; 15 Unaí, Minas Gerais; 16 Varzalândia, Minas Gerais; 17 Montes Claros, Minas Gerais; 18 Serra do Cipó, Minas Gerais; 19 Pedro Leopoldo, Minas Gerais; 20 Cerca Grande, Minas Gerais; 21 Caiapônia, Goiás; 22 Serranópolis, Goiás; 23 Alto Araguaia, Goiás; 24 Alto Sucuriú, Mato Grosso do Sul; 25 Rondonópolis, Goiás; 26 Mato Grosso, Mato Grosso; 27 Projeto Grande Carajás, Pará; 28 Itaboraí, Rio de Janeiro; 29 Cabo Frio, Rio de Janiero; 30 Rio Claro, São Paulo; Vale do Ribeira, São Paulo; 32 Alto Paranapanema, São Paulo; 33 Fase Itaguajé, Paraná; 34 Rio Ivaí, Parané; 35 Fase Vinitu, Paraná; 36 Itapiranga, Santa Catarina; 37 Fase Capivara, Rio Grande do Sul; 38 Fase Uruguai, Rio Grande do Sul.
A Gruta do Gentio II é uma gruta bem iluminada e extraordinariamente seca, o que permitiu a preservação de exemplares arqueológicos em bom estado apesar da sua antiguidade. Ela começou a ser ocupada há cerca de 10.250 anos passados, quando pingos de tinta conservados no solo original demonstram que foi usada como local cerimonial, onde foram executadas pinturas em vermelho – no teto e nas paredes – e depositados sepultamentos parcialmente cremados de indivíduos adredemente desarticulados. Coletava-se, então, coquinhos de guariroba (Syagrus sp) e pequi (Caryocar brasilienses), até hoje planta de consumo garantido no Centro Oeste. Sobre o mais antigo nível de ocupação se acumulou uma camada esbranquiçada, sobretudo resultante do pó de calcário que lentamente se depositou no solo. A gruta foi habitada entre 8.250 e 7.350 anos passados, mas ficaram poucas evidências. A caverna ficou sem ocupação por um longo tempo, voltando a ser habitada por um grupo que ali desenvolveu experiências com vegetais. Esta gente já estava ali antes de 3.500 anos até 1.000 anos antes do presente. A camada de depósito que acumularam é muito rica em restos arqueológicos, com artefatos de pedra, de cerâmica, de osso, restos de fios de algodão e peças tecidas, arte plumária e cestaria, além de alguma poucas peças de madeira. Neste sítio também foi localizada a mais antiga cerâmica, fora da Amazônia, em território brasileiro, com cerca de 3.500 anos.

Não é conhecida em Unaí com exatidão a atual localização do corpo da criança encontrada na Gruta do Gentio II, segundo as pessoas que consultamos. Ou falam que estaria em algum museu do Rio de Janeiro, em Paris ou Copenhague. Na internet não foi possível localizar mais dados sobre ela, sua constituição, nem documentos sobre os estudos a que foi submetida, tão pouco a data exata de seu descobrimento. Sabe-se que teria sido sepultada envolta em uma rede de algodão, e que junto a ela foram encontrados inúmeros objetos.

Por hora, essa é a breve história do mais antigo morador de Unaí (ou moradora).

http://www.unainet.com.br/especial_arqueologia/tesouro_do_gentio.php