Porque fui… porque retornei

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A mala estava pesada, não por excesso de bagagem… Consegui arrastá-la até a porta. Abri, e sem nenhum adeus, parti.

Parti porque aqui a dor doía todos os dias… Parti porque eu desconhecia instantes de felicidade a que todos os humanos têm direito… Parti porque tinha de ir; minha terra tinha gosto de coronelismo, gosto de servidão… Parti porque todos os dias eram paridos escravos e capachos.

E eu não concordava, nunca concordei… Eu sofria por algo que não entendia, mas que doía – Sertão bonito, gente pequena, serviçais, súditos de minúsculos e ignorantes “deuses.”

Voltei porque todos nós adoecemos. Voltei para sepultar os poucos meus que restaram… Voltei para ver que os coronéis, apesar de serem outros, ainda habitavam a cidade – em Portugal ela seria de médio porte -, e os vassalos tinham novos rostos, mas davam continuidade ao passado. Voltei para enxergar que o cenário, mesmo não sendo o de antes, continuava sendo habitado pelo continuísmo imoral.

Não posso retornar. O tempo nos adoece e cava a nossa sepultura. Mas consigo transitar entre a indignação e a observação. Fico olhando de longe a terrícola tão antiga, tão sem profundidade, tão rasa e por isso tão cheia de escravos, de capachos… de ínfimos coronéis!

Alda Alves Barbosa

A menina da janela

O sentimento de desamparo minimizado na figura materna e paterna. Os monstros da infância e o não entendimento do porquês da existência e da inexistência.
Na criança que fui e na mulher que hoje sou, nasceu na infância. Nessa fase fui me percebendo e percebendo o mundo. Me perceber enquanto ser humano, sempre foi um processo difícil. Não entendia e continuo não entendendo a vida, a morte… Era e continua sendo angustiante essa terrível ausência de respostas. Acho que sou uma pessoa torturada pelos porquês.

Da janela da minha infância fui me preparando para ser o que sou. Se vi e vivi tantas situações lúdicas, também vi e vivi as desgraças oriundas do estado ditatorial do coronelismo. Trevas que atingiram a mesa da minha família e que inundaram também a mesa de muitos.

Naquele tempo o sertão era grande, mas seu povo era pequeno. Ali, estava a casa que eu nasci e que continua existindo dentro da minha memória. Vivo e não vivo mais aquela criança que perdia o medo porque sabia-se que no quarto ao lado haviam dois anjos para afugentar o lobo mau, o lobisomem, as almas penadas, a desgraça (mulher alta com uma enorme trouxa na cabeça) a mula-sem-cabeça…

Relâmpagos riscavam o céu; trovões (papai do céu ralhando); um rio de vento e as primeiras gotas de chuva caiam. Começava o inverno das águas. Um mês de chuva ininterrupta. o Rio Preto tecia fúrias; ruídos invisíveis; monstros engolindo cerrado… Medo? Sim, mas sabia-me protegida. No assoalho retumbava os passos da minha segurança esvaziando as bacias que amparavam as goteiras.

E eu ouvia – “Sai da janela, menina. O luar só voltará quando a chuvarada passar.” Invernou mesmo! Ralhava minha mãe!

Alda Alves Barbosa

Barqueiro

Barqueiro

Vai barqueiro
leva pra margem de lá
a esperança da chuva secar.

Vai no aguaceiro
barqueiro-coragem…
No céu nuvens escuras
barqueiro, insista
leva a esperança
pra margem de lá.

O Rio Preto é vida
Vida sua
vida minha
vida deste sertão…
Vá barqueiro
leva a esperança
pra margem de lá.

Vá barqueiro
pesque esperanças
e mata as fomes de
quem vive na
margem de lá.

Alda Alves Barbosa

Sagarana – Valorização da cultura popular

Festival Sagarana

A região do vale do Urucuia recebeu mais uma vez o Festival Sagarana, que reuniu no meio do sertão de Minas Gerais milhares de pessoas dispostas a discutir e trocar experiências que valorizem a cultura popular e fortalecem a identidade cultural do sertanejo.

Sagarana – O vilarejo que recebe o nome de uma das principais obras de Guimarães Rosa tem em sua história o verdadeiro universo roseano.

O termo “Sagarana”, criado pelo escritor, contém expressão do regionalismo típico do Estado, definidor da identidade e das raízes do povo mineiro. Significa a ligação do homem com a sua terra e a sua cultura, sem perder os vínculos com a universalidade própria do ser humano, expressa por convicções, crenças, atos e pensamentos.

“Sagarana”, união do radical germânico “saga” – que significa narrativa épica em prosa, ou história com acontecimentos marcantes ou heróicos – com o elemento “rana”, de origem tupi, que quer dizer “à maneira de”, “típico ou próprio de”.

A comunidade de Sagarana ainda convive com muitos problemas sociais, porém, é detentora de inúmeras potencialidades locais, a exemplo de manifestações culturais, artesanato de tecelagem, pintura e bordado, uma Estação Ecológica, um conjunto de cachoeiras e terras férteis.

Festival Sagarana

Em sua 6ª edição, o Festival que acontece em Sagarana, distrito de Arinos – MG, recebeu diversas manifestações artísticas e culturais, com coragem e bastante ímpeto para colaborar na construção de um mundo sustentável, solidário, justo, equilibrado e partilhado. Nos dias 05 a 08 de setembro de 2013, o pequeno lugarejo, no meio do sertão mineiro, recebeu a visita de milhares de pessoas, de vários cantos de Minas Gerais e do Brasil, que puderam participar de oficinas, debate

s, palestras, visitas pedagógicas às tecnologias sociais, exposições, caminhadas ecológicas, teatro, shows, roda de leitura, lançamentos de livros e muitas outras atrações culturais. Foram discutidos temas como cultura, sustentabilidade, políticas públicas, economia solidária e comunicação participativa. Nesta edição, o festival trouxe para a discussão “Das veredas ao mangue. Rumo à terceira margem”, uma proposta de fusão do sertão e o mangue, inspirada na semelhança dos movimentos de resistência que ocorreram em Sagarana e no movimento surgido em Recife, Pernambuco.

Um dos locais mais visitados e apreciados no festival, foi a Geodésica Cultural, toda construída de bambu, encantando aqueles que por ela passava. O festival contou ainda, com oficinas utilizando bambu, malabares, fabricação de vassouras com garrafas PET, construção de pipas, dentre outras.

Festival Sagarana

O Festival Sagarana é uma imersão na cultura da região. Os intervalos de almoço e jantar foram reservados para apresentações culturais, peças teatrais e encenações. Todas as noites, a partir de 21h, grandes shows com artistas locais, músicos e bandas convidadas como: Pereira da Viola, Cabruêra, Dj Criolina, Chico Assis, Carlos Farias, João Santana, Repentistas, Chico Lobo, Siba e Victor Santana.

Por Lucian Grillo