Porque hoje começa a primavera

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Em quantas primaveras
ouvi teus passos na
poeira vermelha, no
lamaçal gelatinoso do
Capim Branco?

Em quantas primaveras
ouvi teus risos, teus lamentos
no eco das serranias, numa
cascata de ais?

Em quantas primaveras
vi desabrochar flores,
rosas brancas
rosas vermelhas,
as coloridas e tímidas onze horas,
as margaridas sacrossantas
pinceladas brancas
despertando o sol?

Quantas primaveras se foram…
Não ouço mais nenhum passo
nenhum riso, nenhum lamento…
O tempo varreu a renda do luar,
musical poesia na dança dos teus passos.

Laços desfeitos…
rasgos profundos na alma,
no olhar, as ruínas de um tempo,
e fico presa às primaveras onde
deitam as margaridas e as onze horas.

Alda Alves Barbosa

Clareira

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E a terra compactada
foi se abrindo
tecendo vincos
na pele seca golpeada
pelo fulgor do sol
escaldante de outubro.
Estio de primavera,
abóbada implacável
mordendo a vida
desse sertão,
queimando o pó vermelho,
secando as poucas águas,
aproveitando nossas lágrimas
para umedecer as ruínas
provocadas pelo teu
inferno de fogo.
Ouçamos a aurora
a abóbada crepita…
Vem devagar aprofundar
as nesgas já desenhadas
no chão pobre e belo
do meu quente cerrado.

Alda Alves Barbosa

Procuras

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Como todos os dias esperei ansiosa a noite chegar. Iria abraçar minha poesia, conversar com minhas criaturas, inventar mundos… Eu iria viver. 

A noite chegou e encontrou minha alma na escuridão de um tempo não vivido. Decidi morrer no hoje para procurar os ontens num tempo onde eu me debruçava nas ruínas e dormia o sono dos sepultos. Este tempo sepulcral eu o quero de volta para entender os porquês das minhas ausências… Tempo que desisti dos meus sonhos, desisti de ser… não fui o que deveria ter sido.

E se eu tivesse seguido em frente em vez de virar à esquerda? Perdi-me nas bifurcações. Escolhas erradas ou não me preocupei em escolher? Ignorei as badaladas da cruz se cruzando; ignorei a mudez do tempo passando; ignorei os alinhavos do passado. Tornei-me escrava da dor, mendiga da compreensão do outro. Fiquei com a alma vazia… me perdi pelos caminhos das interrogações.

Hoje eu procuro este tempo… Pra quê? Porque este tempo me pertence, pedaços meus estão ali. Neste tempo minha alma chorou as perdas e eu me perdi de mim… Encontrei-me entre as ruínas sobre o olhar  que chorava.

Nas alternâncias entre o viver e morrer, depois de todo cansaço, procuro estes instantes transformados em décadas  com os olhos de inverno… Talvez estejam no quarto escuro do medo!

Alda Alves Barbosa