É a poesia que fará de Florbela o vulto que é. Quase sempre em forma de soneto.
Salvo umas tantas excepções. Algumas quadras incluídas por Rui Guedes em valiosa edição abrangendo a totalidade ou quase da poesia de Florbela .
Uma delas, com um certo sabor à chamada quadra popular:
Tenho por ti uma paixão
Tão forte tão acrisolada,
Que até adoro a saudade
Quando por ti é causada
ou esta
Que filtro embriagante
Me deste tu a beber?
Até me esqueço de mim
E não te posso esquecer…
O seu Alentejo merece-lhe palavras de exaltação. Em soneto a que chama No meu Alentejo que inclui em carta à directora de Modas e Bordados exprime-a nos tercetos finais
Tudo é tranquilo e casto e sonhador…
Olhando esta paisagem que é uma tela
De Deus, eu penso então: Onde há pintor
Onde há artista de saber profundo,
Que possa imaginar coisa mais bela,
Mais delicada e linda neste Mundo?
Escreve também poemas de sentido patriótico. Um deles, dirigido às mães, apelando que calem as suas mágoas pelos filhos que lutam e morrem na guerra em defesa da Pátria, e alguns outros de sentido semelhante.
Mas Florbela lembra claramente que o que a preocupa é o Amor, e os ingredientes que romanticamente lhe são inerentes: a solidão, a tristeza, a saudade, a sedução, a evocação da morte, entre outros… E o desejo. Mesmo quando trata outros temas, diz-me alguém que a admira. Olhemos uma das quadras do soneto que intitulou Toledo
As tuas mãos tacteiam-me a tremer…
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço,
É como um jasmineiro em alvoroço,
Ébrio de Sol, de aroma, de prazer!
O grande paradoxo. O amor, como muitas vezes se lhe refere, sugere um sentir onde o erotismo é componente permanente. Exaltado em vários escritos, noutros pretende ser limpo do que na época se consideram impurezas.
Após os vários casamentos, diz desejar morrer virginalmente.
Tudo produto duma moral que interditava à mulher exprimir o seu prazer sexual, segreda-me uma outra minha amiga, para quem Florbela é o grande expoente da escrita no feminino. As sugestões mais ousadas sobre sexo eram tidas como degradação ou, complacentemente, como provocação, recorda-me.
Pergunta que não terá resposta fácil é saber se Florbela escreve, aproximando-se do explícito, porque pretende romper com os comportamentos tidos como convenientes e dentro do moralmente correcto.
Olhamos o soneto Passeio ao Campo onde começa
Meu Amor! Meu Amante! Meu Amigo! Colhe a hora que passa, hora divina,
bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
e depois de referir a “cinta esbelta e fina…” e outros atributos da sua própria elegância física, continua
E à volta, Amor… tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras…
Num outro
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…
para concluir
E é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…
O erotismo não fica por aqui. Num outro poema diz:
Sonhei que era a tua amante querida
………………………………………………
………………………………….anelante
estava nos teus braços num instante,
fitando com amor os olhos teus
E ainda em sentido semelhante, estes tercetos
Beija-me as mãos, Amor, devagarinho…
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves, cantando, ao sol, no mesmo ninho…
Beija-mas bem!…Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei pra minha boca!…
Mau grado dizeres que, pelo sensualismo, sugerem um sentido libertário, uma interpretação do conjunto da sua obra faz pensar em posição cultural divergente.
Contraditoriamente com essa sensualidade sempre presente, afirma não poder olhar para o relacionamento sexual sem um sentimento de impureza, de brutalidade. Em alguns trechos, onde mais fortemente sugerido, as mulheres são impuras, megeras ou sujeito de outros qualificativos semelhantes.
O casamento e a posse são brutalidades, afirma e repete.
Referência: