Imaginário

03_dezporcento
Frase de Manoel de Barros

Tarde chuvosa. Quero crer que dormi demais porque chovia. A natureza chorou para que eu pudesse descansar do mundo dos vivos. Muita pretensão! Não importa. Morri e ressuscitei. Ressuscitei? Acho que sim. Tenho o DNA da imaginação e por isso viajo pelas mãos dela. Todos os sentimentos que tive e tenho foram direcionados pelo imaginário.

E por isso tenho à minha mão todas as janelas que necessito: choro, rio, amo, desamo, morro, ressuscito… tudo obra do imaginar! Janelas benditas, malditas, mas janelas necessárias para que os relâmpagos risquem os céus, os trovões ecoem pelas montanhas, o céu chore lágrimas que eu não pude chorar! Janelas necessárias para que o vento passe e eu possa ir com ele para mundos desconhecidos… Janelas necessárias para que vá a procura da vida! Às vezes eu a perco! Mas tenho todas as janelas abertas para ir à sua procura .

Nem sempre a encontro. Deixo-a em paz. Sei que ela está necessitando desse afastamento para que seus sentidos, quase sempre em ebulição, descansem dessa energia que pulsa numa inquietação aterradora. Cavalgada alada!

Mas sinto falta dela… Horas longe da vida… dias que vivo sem ela são dias vazios, ocos, entardecidos. Perder-me de minha vida é perder a razão “de ser.” E por que desejo estar viva procuro-a nas asas dos sóis, das luas, nas noites mal iluminadas.

E encontro-a… para depois perdê-la!

Alda Alves Barbosa

Clareira

sertao_brasil[1]
E a terra compactada
foi se abrindo
tecendo vincos
na pele seca golpeada
pelo fulgor do sol
escaldante de outubro.
Estio de primavera,
abóbada implacável
mordendo a vida
desse sertão,
queimando o pó vermelho,
secando as poucas águas,
aproveitando nossas lágrimas
para umedecer as ruínas
provocadas pelo teu
inferno de fogo.
Ouçamos a aurora
a abóbada crepita…
Vem devagar aprofundar
as nesgas já desenhadas
no chão pobre e belo
do meu quente cerrado.

Alda Alves Barbosa

Mamãe… Mamãe… Mamãe

Mamãe... Mamãe... Mamãe

O sol ainda dormia e Luiz Alves de Sousa acordava a nossa tão pequenina Unaí com a alvorada do “dia das mães.” Sua voz clara e bonita derramava palavras que aprofundavam mais ainda o amor dos filhos pelas mães. Nossos ouvidos, ainda sonolentos, despertavam para que a emoção nos abraçasse. Eu ainda tão criança tinha certeza de que toda aquela beleza subia aos céus e encontrava Deus; Era um retorno ao lar da alma. Acredito que todos retornavam. Um presente inesquecível da “Casa Pimentel.”
Em mim estes retornos ao plantio, este sentimento amoroso vinha acompanhado de dor. Bela e triste a música chegava aos meus ouvidos, ia até as serranias ou além delas, alçava voo, mas retornava ao meu coração de menina: “Mamãe, mamãe, mamãe// tu és a razão dos meus dias// Em ti eu me sinto criança… Se eu pudesse eu queria outra vez, mamãe// começar tudo, tudo de novo”…
Eu, no meu quarto, ainda deitada na minha cama “patente” escutava os soluços de minha mãe entrecortados pela palavra que deixara de pronunciar aos nove anos de idade: mãe… mãe… Meu coração também chorava, doía… Nestes momentos as lágrimas pareciam abrir fundos abismos em meu rosto. Sentia-me roubada, ou era minha mãe que se sentia roubada? Nunca obtive resposta… Mas ainda a vejo sair do quarto com o olhar de solidão tão profunda que as lágrimas escorriam pelas fendas do seu rosto… rosto jovem, olhar de anciã… Orfandade!
Eu? tinha um sentimento de exílio!

Alda Alves Barbosa

Minhas, ou nossas fomes?

kdk_0838

Sim, sou eu essa mulher que debaixo do sol ardente, debruça sobre o asfalto quente para colher o lixo que alguém plantou.

Sim, sou eu essa mulher que sem nenhum receio, pede de maneira afável, que joguem o lixo no lixo.

Sim, sou eu essa mulher que muitos recebem com sorrisos benevolentes, quando peço-lhes que deixem a calçada livre para o povo unaiense passar!

Sim, sou eu essa mulher que se indigna quando decepam as poucas árvores do nosso cerrado, ou quando mutilam seus galhos, tirando-lhes a beleza verdejante.

Sim, sou eu que amo flores e derramo lágrimas na primavera unaiense – primavera sem cores, sem perfumes… amores imperfeitos.

Sim, são minhas estas lágrimas doídas que se juntam às águas do Rio Preto, com saudades dos peixes dourados, amarelos brilhantes como a luz das estrelas.

Sim, são minhas estas palavras… são meus estes olhos cheios de encantamento pelas esculturas que o tempo molda nas grutas, e que poucos têm a oportunidade de contemplar.

É minha essa fome de educação, de cultura, de flores, de sombras…

Nada é só meu… Nem os sonhos, nem os pesadelos. Temos em comum a esperança de uma evolução de mentalidade, para que aconteça uma verdadeira transformação em nossos hábitos.

A verdade é que sei que essas fomes não são só minhas, são nossas, e por isso acredito no despertar unaiense.

Alda Alves Barbosa