O jogo político unaiense

600xNx2012_09_16_truco_cestrela_web-16.jpg.pagespeed.ic.VT7y1tqL8B

Naqueles tempos sombrios, ditadura brava, não se podia conversar muito. Quem falava demais poderia ser enquadrado na lei de segurança nacional. Mas o mineiro dava sempre um jeitinho e ia levando.

Um grupo de comerciantes desse chão, exatamente seis (três duplas), reuniam todas as noites pra jogar truco. Duas duplas se enfrentavam e uma ficava de fora, quem perde levanta, quem ganha joga contra a dupla que estava de fora. Ali é que a conversa rolava. Falava-se de tudo. Mas o prato predileto, é claro, era a política, e de preferência a política local.

Cada dia o jogo acontecia na casa de um dos seis. Após as partidas saía um café no capricho, sempre acompanhado de pão de queijo e outras delícias de nossa terra. Era a desculpa para ficar mais tempo regando o canteiro de prosa… “sempre de política”.

Ano eleitoral. Seu João Rogério, um dos jogadores, resolve se candidatar a vereador. Algumas desconfianças… mas a vontade era dele; cada um sabe de si… cada um sabe o que quer…

Naqueles dias a política unaiense estava quente. Como sempre uma baixaria só. Fofoca para todo lado, pichações e folhetos apócrifos falando mal dos adversários. Isso era o que mais tinha. O juiz da comarca – responsável pelo processo eleitoral -, convocou uma reunião para avisar que se o nível da campanha não melhorasse, a coisa não ia acabar bem. Seu João Rogério compareceu na reunião com o Dr. juiz. No dia seguinte, indagado pelos companheiros de truco sobre a bendita reunião, ele mudou um pouco a conversa. Disse que o juiz tinha convidado apenas os candidatos considerados já eleitos, para mostrar como gostaria que nós – os políticos – administrássemos  a cidade após as eleições. A pergunta foi uma só: ” O juiz chamou o senhor?” – Sim, todos os considerados eleitos – respondeu Seu João Rogério.

Chegou o dia das eleições. Todos votaram no Seu João Rogério. Nos dias da apuração meu pai, que era um dos jogadores, ficava ansioso por resultados e me mandava para porta do Clube Itapuã – local da apuração – para anotar os resultados. Sempre querendo saber dos votos do Seu João Rogério. Eu já estava com vergonha, pois até o terceiro dia de apuração só tinha contado seis votos para ele. Levei uma bronca danada do meu pai: “Você não sabe anotar nada! Vai pra lá só pra namorar e não presta atenção no resultado das urnas. Onde já se viu, Seu João Rogério, candidato considerado já eleito só ter seis votos?”.

Nesses três dias não teve truco. No quarto dia, jogo marcado, lá vem Seu João Rogério, que antes mesmo de chegar já foi questionado pelos amigos: “E aí como é que foi a votação? eleito mesmo?” Com o olhar desconsolado e derramando revolta respondeu: “Seis votos… e não sei nem quem foram os trouxas que votaram em mim!…” Todos os cinco levantaram a mão: “Eu, eu votei”.

Resultado, se não fosse jogador de truco o Seu João Rogério só teria o voto dele mesmo. Passaram-se muitos dias sem se falar em política nas rodas de truco.

Colaboração do leitor Orlando Ribeiro.

Travessuras e Travessias

       Imagem

      Na minha infância o natal parecia nunca chegar! Férias? Lonjura por demais! Essas eram mais longas – de dezembro ao mês de março – mas como demorava a chegar! Ficava na prolongada espera de viajar para Formosa ” dos Couros”.

       Como tudo na vida, as demoras acabam cedendo lugar ao momento. Abracei os ” meus ” e dei um adeus prolongado. E lá fui eu de jardineira para os ventos de Goiás. Férias longas. Muito tempo sem pisar nesse sertão tão meu. Sentimento profundo, já com saudades por demais.

       As férias findaram. Era chegada a hora de voltar para casa ( na data marcada pelos meus pais ) e recomeçar… De novo na jardineira e horas a fio engolindo poeira vermelha. Um mar de águas doce nos aguardava perto do ” Amaral “.  Unaí parecia imersa nas águas do Rio Preto. Meu rio era bipolar; saiu da mansidão para explosão…

      Ilhados e apavorados… O motorista foi verificar a profundidade das águas… Hoje penso que ele foi ver se nossa pequena Unaí ainda existia. Retornou. E lá fomos nós de jardineira até aonde as águas do rio permitiam. Ali paramos. Duas opções: ponte de “cabo de aço” ou canoa! Um palmo e meio para a água chegar na pequena e frágil ponte. Com um agravante: as águas do Rio Preto lavavam o cerrado e traziam para o centro troncos de árvores nadando no sentido vertical. O perigo era iminente. Essa travessia podia levar para o fundo do rio o corpo das pequenas almas que imbuídas de coragem procuravam salvação. Estática fiquei entre o ficar em lugar nenhum, ser tragada pela violência das águas ou atravessar a ponte balançante. Restava a canoa. Optei por ela. Sob a proteção de Deus e Joaquim “do Barco ” que assobiava a música carnavalesca ” … se a canoa não virar, olê olê olá, eu chego lá…”

       Mas não virou e chegamos lá… Atravessamos o doce mar bravio e abracei meus pais, que desesperados me aguardavam na outra margem.

       Eu e o meu rio sempre fomos um!

Alda Alves Barbosa