E as chuvas no cerrado interromperam. O veranico começara. As muriçocas vampirescas encontravam sangue de sobra para se entupirem do alimento que elas apreciavam.
Nesta época dormíamos mais tarde… Nada havia para fazer no quente verão do cerrado. A luz elétrica – tomatinho – deixava de sombrear cedo da noite. Lamparinas e lampiões bruxuleavam nos cômodos das casas.
Enquanto isso, nós, as crianças, em meio à escuridão dos quintais, quebrada às vezes apenas pela beleza clara da lua, colocávamos nossos neurônios para funcionar à procura de algo para preencher o tempo – Alimentar as muriçocas antes do horário estava fora de cogitação.
Jovina, mulher grande, forte e só conversava com ela mesma, morava na casa de dindinho Filadelfo e tia Dasdores. Casa bonita, cheia de cômodos… Nenhuma casa na pequena Unaí comparava-se a ela. Linda e bem cuidada acolhia muitos que por ali passava. Jovina compareceu ou apareceu com seu sobrinho e ali se instalaram.
Jovina transitava entre a cozinha e seu quarto; pouco comparecia nos outros lugares da casa. Sempre usava saias compridas e franzidas, o que a aumentava mais horizontalmente.
E foi justamente num destes veranicos que nossas cabeças de crianças, para sair das mesmices, arquitetaram um plano: vesti a capa de couro de dindinho Filadelfo, na cabeça um chapéu de couro e juntas (não tenho autorização para citar nomes), rumamos para o porão.
Em cima ficava o quarto de Jovina. E minha voz trêmula – voz de gente do outro mundo – ecoou pelo espaço: – Jovinaaaaaa…. eu venho do mundo de laaaaaaaáôôôô – Vim lhe avisar que seu irmão vai morrerrrrrrrrêêê (não sabia que ela tinha irmão). E minha voz tenebrosa repetia… repetia… repetia… Ela, Jovina, sabedora que era eu, que éramos nós – já estava acostumada -, mandava-nos embora com pequenos xingamentos. Cansados da brincadeira fomos embora já dispostos a ser alimento das muriçocas.
No dia seguinte o irmão de dona Jovina , vindo de uma fazenda, chega à pequena Unaí num banguê – Estava muito ruim de saúde e faleceu.
Imaginem quem o matou? Imaginaram? Pois é… Ela realmente acreditou naquela triste brincadeira de criança que não tinha TV, Internet, celular… e só a lua clareava as ruas!
Alda Alves Barbosa
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