Porque fui… porque retornei

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A mala estava pesada, não por excesso de bagagem… Consegui arrastá-la até a porta. Abri, e sem nenhum adeus, parti.

Parti porque aqui a dor doía todos os dias… Parti porque eu desconhecia instantes de felicidade a que todos os humanos têm direito… Parti porque tinha de ir; minha terra tinha gosto de coronelismo, gosto de servidão… Parti porque todos os dias eram paridos escravos e capachos.

E eu não concordava, nunca concordei… Eu sofria por algo que não entendia, mas que doía – Sertão bonito, gente pequena, serviçais, súditos de minúsculos e ignorantes “deuses.”

Voltei porque todos nós adoecemos. Voltei para sepultar os poucos meus que restaram… Voltei para ver que os coronéis, apesar de serem outros, ainda habitavam a cidade – em Portugal ela seria de médio porte -, e os vassalos tinham novos rostos, mas davam continuidade ao passado. Voltei para enxergar que o cenário, mesmo não sendo o de antes, continuava sendo habitado pelo continuísmo imoral.

Não posso retornar. O tempo nos adoece e cava a nossa sepultura. Mas consigo transitar entre a indignação e a observação. Fico olhando de longe a terrícola tão antiga, tão sem profundidade, tão rasa e por isso tão cheia de escravos, de capachos… de ínfimos coronéis!

Alda Alves Barbosa

O espelho

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Descobri que o espelho é o objeto que preciso retirar do meu convívio. Não sinto nenhum prazer em ver minha imagem refletida nele. Estou envelhecendo! A flacidez, as rugas, os cabelos esbranquiçados me incomodam, entristecem-me.

Se insisto em me olhar é outra que vejo. Outra… Quem? Eu? Sim. Eu jovem, eu dançante, eu, esperançosa, eu, derramando sonhos! Domestiquei meu espelho. Não percebi que estava sempre viajando com o tempo. Nunca desarrumei as malas, não precisava, a viagem era contínua, sem pausas, sem estações.

E hoje, olhei fugitivamente para ele – o espelho – e tentei alcançar os segundos. Uma pergunta instalou-se em meu cérebro entorpecido: quem era aquela pessoa que me olhava? Me perturba mais descobrir que sou eu, ainda que diferente de tudo que fui ou pensei ser. Ali estava eu com outra face, com outro olhar. Percebi que vi em mim o que eu sempre fui. Que eu sou a minha própria bagagem. Aonde eu vou eu me levo. O excesso de peso é a minha nudez diante do que sou.

A flacidez, as rugas, as rusgas foram desenhadas pelo tempo e coloridas com seus pincéis descoloridos, flácidos! O que me espanta é essa geografia no corpo, no rosto. No espelho da viagem no tempo eu retorno para dentro de mim… Não há como me transformar em outra pessoa.

Dentro de mim a viagem continua… Sem pausa, sem estações! O tempo…

Alda Alves Barbosa