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Eram os ventos o lugar inoportuno e o vazio indescritível com pensamentos abortados. Contraditoriamente isso se mesclava a uma vontade leve de querer mais, de querer além. “Eu gosto de cemitérios”, confessou aquela simpática desconhecida já aguardando o ar de desaprovação ou espanto. Retruquei: ” Que mal há? Outros gostam de nuvens, outros de búzios e Xangô, outros de verde e há quem prefira o marrom.

Ouvi certo dia de quem, até sem querer, rega as infinitas reflexões das quais não abro mão, sobre a importância de sair do quadrado e de saber quem é! Pois bem, fora do quadrado estou aqui e agora. Alguns passos me separam da praça que leva o nome de meu vô que não conheci. As pessoas transitam calmamente ainda exalando o ar de cidade pacata. Dois ou três homens sentados aleatoriamente em bancos avistam o movimento com expressões de quem pensa sobre assuntos corriqueiros. Queria saber o assunto. Não por curiosidade besta, mas pela estranha mania de querer sentir um pouco das emoções do outro, um sentir na pele em fração de segundos, até descobrir as formas de enxergar, de sentir de todos os seres humanos do mundo.

Da sacada do hotel uma pessoa busca no breu do céu do sertão mineiro algum resquício da chuva que caiu horas atrás. Um branco fosco se abre bem pouquinho na escuridão – deve ser a lua! Ele deve gostar da estadia; é sempre revigorante respirar novos ares. Um pedaço da agenda onde transporto meus rabiscos rasgou. Preciso de local apropriado para tantas divagações costuradas. Resolvo isso amanhã, sem falta!

A sombra que as folhas da árvore fazem no chão, me convidam a ver sua copa. Respirei profundamente ate tentar sentir seu cheiro. Olhei num ato automático o relógio. Eram 20:32. Daqui 38 minutos vou embora. Bobagem, mas a conta também acontece automaticamente. Deitei na calçada. Dá um desconforto gostoso notar que o céu parece um buraco negro. Talvez o cara do hotel na verdade estivesse pensando nisso e não buscando o resquício da chuva.

Tem como isolar os sons que se quer ouvir. Agora, por exemplo, só escuto cachorros e cigarras. Não gosto de me expôr demais. Tenho desconfianças e uma vontade imensa de acreditar genuinamente nas pessoas. Ninguem deveria usar o que sabe do outro para propagar juízos de valor, fazer chacotas ou espalhar inverdades. Me surpreende e me encanta os seres humanos até em suas previsibilidades. Meus olhos maravilham-se quando avistam pessoas de vida já muito andada. Não sei sobre o que fizeram mas o trajeto percorrido me faz pensar sobre histórias.

Mais uma olhadela e percebo sorrisos sinceros por perto. É lindo ver uma criança tão pequena na bicicleta sem rodinhas.Tem muita gente sofrendo muito por motivos que nem sei nesse exato instante.
Um diria: “Não sonhe tanto”. O outro, após gargalhadas sem fim, prosseguia com “Esqueci que você gosta de inventar coisas que não aconteceram”. Amo os dois pólos. O que diria você?

Gosto de sair do quadrado. Tudo isso pra dizer que não sei responder àquela segunda reflexão: quem sou? Quão surreal? A cascata descritiva reafirma: ‘adoro descrições’. Desenho cenas que se configuram ou não. Sem querer – assim como sem querer as cutucadas que me inquietam acontecem – acabei por dizer um pouco de Danielle. Mas só um pouco. Não gosto de me expor!

Danielle Rezende

Mundo cerradeiro

Mundo cerradeiro

Céu azul
sol braseante
lua cheia… pálida
caminhos sinuosos
espigões verdejantes
meandros dos córregos
o terço da roça
a procissão para chover.

A vida dos pássaros e
seus muitos cantos,
veredas úmidas…
Nas bordas dos vales
a beleza amarela dos Ipês.

Árvores pequenas
troncos tortuosos
rios
ribeirões
córregos
sinfonia de folhas
sinfonia das águas.

Crenças…
Saberes de nossa gente
na fala mansa, cantada
desabrocham das pétalas
sonoras, da gestualidade
cênica que escorrem como
poesia – o causo.

Poéticos causos
poéticas auroras
poéticos entardeceres…

Coisas do encantado
mundo cerradeiro!

Alda Alves Barbosa

foto: Josué Marinho -Panoramio.com

No silêncio do coração

No silêncio do coração

Certas atitudes me convidam a uma reflexão. Algumas, eu apenas observo sem me deter em detalhes. Meu coração não modifica o ritmo, continua dançando no passo e no compasso do cotidiano.

A reflexão, esta sim, me sustenta quando entro no descompasso da vida. E por me saber assim, necessitando quase sempre deste alimento, meu olhar concentra no purgatório humano para enxergar os olhos da humanidade.

Procuro um recanto. Faço um pacto comigo, e começo a escrever. Transformo este cantinho do mundo no meu próprio canto.

Para mim meu lar pode ser em qualquer lugar solitário: um fio de água procurando um rio, folhas secas que soltam das árvores forrando o asfalto, gotas d’águas que caem mansamente dos céus. Meu lar pode ser o assobio do vento passando por grandes blocos de árvores.

Meu lar pode ser o silêncio do meu coração; o braço que tenta abraçar o mundo; o brilho de cada olhar… o grito silencioso das dores do mundo!

Alda Alves Barbosa

Minhas, ou nossas fomes?

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Sim, sou eu essa mulher que debaixo do sol ardente, debruça sobre o asfalto quente para colher o lixo que alguém plantou.

Sim, sou eu essa mulher que sem nenhum receio, pede de maneira afável, que joguem o lixo no lixo.

Sim, sou eu essa mulher que muitos recebem com sorrisos benevolentes, quando peço-lhes que deixem a calçada livre para o povo unaiense passar!

Sim, sou eu essa mulher que se indigna quando decepam as poucas árvores do nosso cerrado, ou quando mutilam seus galhos, tirando-lhes a beleza verdejante.

Sim, sou eu que amo flores e derramo lágrimas na primavera unaiense – primavera sem cores, sem perfumes… amores imperfeitos.

Sim, são minhas estas lágrimas doídas que se juntam às águas do Rio Preto, com saudades dos peixes dourados, amarelos brilhantes como a luz das estrelas.

Sim, são minhas estas palavras… são meus estes olhos cheios de encantamento pelas esculturas que o tempo molda nas grutas, e que poucos têm a oportunidade de contemplar.

É minha essa fome de educação, de cultura, de flores, de sombras…

Nada é só meu… Nem os sonhos, nem os pesadelos. Temos em comum a esperança de uma evolução de mentalidade, para que aconteça uma verdadeira transformação em nossos hábitos.

A verdade é que sei que essas fomes não são só minhas, são nossas, e por isso acredito no despertar unaiense.

Alda Alves Barbosa

ATÉ TU, OAB?

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Não concebo a ideia de escolher estradas sem olhar para as minhas caminhadas dos ontens. Elas me dão suporte para avaliar minhas escolhas. E por pensar assim, percorro meu passado criança, abraço as esculturas do meu cerrado e aspiro seu cheiro verdejante. Tempos bons aqueles! Jabuticabeiras, pequizeiros, cagaiteiras, enfim, todas as eiras. Hoje, sem eira nem beira, oscilo entre o viver e o morrer… Quero viver, mas não sei se a soja contém todos os nutrientes que o meu corpo necessita.

Sei não. Minh’alma anda aos suspiros, perigando o choro, pelos sumiços do cerrado desse meu sertão… Hoje a árvore existe, amanhã a danada inexiste. Parece mesmo coisa de assombração: cá na minha cabeça, fico matutando – ” Será que espantaram o cerrado? “

Pra piorar a situação, meu coração fica remoendo. Se pelo menos nossa Unaí tivesse umas sete arvorezinhas em cada rua!… tem não. Se tiver, quer apostar que qualquer dia desses elas tomam chá de sumiço? Parece mesmo coisa do tinhoso! Trem esquisito, árvore sumir num piscar de olhos!

Quer ver árvore desaparecer, é quando resolvem construir um é-difício ( não é-fácio ). A árvore vai pro pau e ainda deixam seu tronco pintado de branco como um troféu a ser comemorado.

Mas o que me causou mesmo estranheza foi o jeito que encontraram pra matar a pobre da árvore que estava ( e ainda está ) atrapalhando a ” beleza ” da Sede da OAB em Unaí. Pena de morte não concedida, eis que ela me aparece desgalhada, numa nudez vergonhosa. Se fosse só pelos arrepios do terrível frio unaiense, vá lá, pior mesmo foi a feiura que deixaram ela. Se dependesse de mim, todos seriam processados por danos morais, afinal,quem desnuda uma árvore a paga é o castigo.

UTI. Último recurso. E consciente de que faltam médicos, arquitetos, jardineiros, paisagistas… fico eu de olho nela, tenho receios de que no prontuário, a letra do médico esteja pouco legível e a enfermeira ” por engano “, aplique café com leite nas veias da então sofrida paciente e ela venha a fenecer.

Por esta situação ser corriqueira, eu não deveria me assustar nem me indignar, afinal, a repetição torna o incomum em comum. Fico me perguntando, como será daqui um tempo o nosso chão, caso a linha de raciocínio do seu povo não mude. Nossa população – com raríssimas exceções – tem uma visão catastrófica com relação a um clima ameno, flores, sombra e beleza. Árvores sujam o chão. Bonito mesmo são as calçadas caras e escorregadias. Bom mesmo é chegar o verão e o “calor dos infernos” acordar.

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Alda Alves Barbosa