Florbela Espanca – Parte V – A Prosa

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A prosa de Florbela exprime-se através do conto e de um diário que antecede a sua morte e em cartas várias, de natureza familiar umas, outras tratando de questões relacionadas com a sua produção literária, quer num sentido interrogativo quanto à sua qualidade, quer quanto a aspectos mais práticos, como a sua publicação. Nas diferentes manifestações epistolares sobressaem qualidades que nem sempre estão presentes na restante produção em prosa – naturalidade e simplicidade.

Nos contos, compilados em dois volumes, O Dominó Preto e As Máscaras do Destino, muitas vezes um certo sentido autobiográfico, intimista.

No já referido À margem de um soneto, como atrás dizemos, parece pretender retratar as diferentes personalidades em que se vê, contraditórias e provocantes em relação à época

Num outro conto, Amor de outrora, pressente-se um recordar de ocorrências da sua vida e dos seus enganos e desenganos de amor, desde o primeiro ao terceiro casamento. Várias cartas, para os maridos e para os apaixonados que aparentemente pretende afastar, e para o pai, em que procura justificar algumas situações, ajudam a este entendimento.

Em Crime do Pinhal, ao lado dos “lavadores de honra” pelo assassinato de um sedutor, duas mães no afecto da mesma criança. As suas “madrastas mães” cujo grande e simultâneo afecto por Florbela é retribuído?

No inicio de As Máscaras do Destino, dedicatória a Apeles, o seu Morto, para quem mais uma vez palavras de exaltação e dor, que complementa em O Aviador, visão mítica da morte do irmão amado.

Ao longo dos contos encontram-se frases de grande beleza e força. As expressões de desejo, carregadas de erotismo, atribuídas à personagem do segundo dos referidos contos – que, de algum modo, exprimem as suas contradições na transição para a libertação da mulher. Não podemos porém deixar de os considerar por vezes carecendo de uma certa densidade. Um excessivo uso de palavras e imagens, que pouco ou nada acrescentam ao que pretende sugerir, contribui para uma menos conseguida “análise profunda dos sentimentos e paixões”, observa Y. Centeno. E, como nota a mesma escritora, quase permanente é a qualificação das mulheres em puras e impuras, em excelentes e megeras.

As suas cartas, sem a pretensão da criação literária, e talvez por isso, a par da informação factual, apresentam uma visão muito menos enfeitada e artificiosa da sua vivência. Permitem conhecê-la melhor e exprimem estados de alma mais próximos duma humanidade real do que a sua prosa formal e, até, alguns dos seus momentos poéticos.

Sobressaem as que envia à sua amiga Júlia Alves, com quem nunca se encontrará, com quem troca impressões sobre os mais variados assuntos e a quem expõe a sua alma à medida que o relacionamento vai progredindo. Numa delas dirá: “preciso tanto de ser embalada devagarinho… suavemente… como uma criança pequenina, sonhando de olhos fechados, num regaço carinhoso e quente!…” O que talvez ajude a compreender a sua vida e a sua morte.

Numa outra, já após o primeiro casamento, afirma – e isto é por ela redito e contradito: “uma das coisas melhores da nossa vida… é o amor, o grande e discutido amor… ” acrescentando umas linhas a seguir que “no entanto, o casamento é brutal, como a posse é sempre brutal…”

Escreve à sua amiga com frequência que não deixa de surpreender. Em dias seguidos. Num mesmo dia três missivas distintas. Na que se presume ser a última, um pouco menos de um ano depois da primeira, e já sem o calor que se pressente nas anteriores, agradece dizendo que não esquece o ter-se sentido compreendida e estimada

Em correspondência dirigida a outras personalidades mostra-se triste pois não vê facilitado o caminho para a publicação dos seus livros.

A Raul Proença deixa claro o seu desânimo com o que este pensa dos seus versos, juntando outros sonetos perguntando se desses gosta. O escritor virá a proporcionar-lhe a publicação (Livro de Mágoas).

Traduzirá dois livros (e possivelmente outros), um de Pierre Benoit, Mademoiselle de la Ferté, que constitui leitura obrigatória dos adolescentes da década seguinte à sua morte, e Dois Noivados de Clambol, editados pela Liv. Civilização, do Porto. Assina as traduções como Florbela Espanca Lage. Antes, em várias circunstâncias, usara Florbela Moutinho, apelido do primeiro marido.

Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/florbela_espanca.htm

Florbela Espanca – Parte IV – Poesia. Conceitos e Preconceitos de Amor

Descobrindo Portugal

Florbela

É a poesia que fará de Florbela o vulto que é. Quase sempre em forma de soneto.

Salvo umas tantas excepções. Algumas quadras incluídas por Rui Guedes em valiosa edição abrangendo a totalidade ou quase da poesia de Florbela .

Uma delas, com um certo sabor à chamada quadra popular:

Tenho por ti uma paixão
Tão forte tão acrisolada,
Que até adoro a saudade
Quando por ti é causada

ou esta

Que filtro embriagante
Me deste tu a beber?
Até me esqueço de mim
E não te posso esquecer…

O seu Alentejo merece-lhe palavras de exaltação. Em soneto a que chama No meu Alentejo que inclui em carta à directora de Modas e Bordados exprime-a nos tercetos finais

Tudo é tranquilo e casto e sonhador…
Olhando esta paisagem que é uma tela
De Deus, eu penso então: Onde há pintor

Onde há artista de saber profundo,
Que possa imaginar coisa mais bela,
Mais delicada e linda neste Mundo?

Escreve também poemas de sentido patriótico. Um deles, dirigido às mães, apelando que calem as suas mágoas pelos filhos que lutam e morrem na guerra em defesa da Pátria, e alguns outros de sentido semelhante.

Mas Florbela lembra claramente que o que a preocupa é o Amor, e os ingredientes que romanticamente lhe são inerentes: a solidão, a tristeza, a saudade, a sedução, a evocação da morte, entre outros… E o desejo. Mesmo quando trata outros temas, diz-me alguém que a admira. Olhemos uma das quadras do soneto que intitulou Toledo

As tuas mãos tacteiam-me a tremer…
Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço,
É como um jasmineiro em alvoroço,
Ébrio de Sol, de aroma, de prazer!

O grande paradoxo. O amor, como muitas vezes se lhe refere, sugere um sentir onde o erotismo é componente permanente. Exaltado em vários escritos, noutros pretende ser limpo do que na época se consideram impurezas.

Após os vários casamentos, diz desejar morrer virginalmente.

Tudo produto duma moral que interditava à mulher exprimir o seu prazer sexual, segreda-me uma outra minha amiga, para quem Florbela é o grande expoente da escrita no feminino. As sugestões mais ousadas sobre sexo eram tidas como degradação ou, complacentemente, como provocação, recorda-me.

Pergunta que não terá resposta fácil é saber se Florbela escreve, aproximando-se do explícito, porque pretende romper com os comportamentos tidos como convenientes e dentro do moralmente correcto.

Olhamos o soneto Passeio ao Campo onde começa

Meu Amor! Meu Amante! Meu Amigo! Colhe a hora que passa, hora divina,
bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!

e depois de referir a “cinta esbelta e fina…” e outros atributos da sua própria elegância física, continua

E à volta, Amor… tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras…

Num outro

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…

para concluir

E é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…

O erotismo não fica por aqui. Num outro poema diz:

Sonhei que era a tua amante querida
………………………………………………
………………………………….anelante
estava nos teus braços num instante,
fitando com amor os olhos teus

E ainda em sentido semelhante, estes tercetos

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho…
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves, cantando, ao sol, no mesmo ninho…

Beija-mas bem!…Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei pra minha boca!…

Mau grado dizeres que, pelo sensualismo, sugerem um sentido libertário, uma interpretação do conjunto da sua obra faz pensar em posição cultural divergente.

Contraditoriamente com essa sensualidade sempre presente, afirma não poder olhar para o relacionamento sexual sem um sentimento de impureza, de brutalidade. Em alguns trechos, onde mais fortemente sugerido, as mulheres são impuras, megeras ou sujeito de outros qualificativos semelhantes.

O casamento e a posse são brutalidades, afirma e repete.

Referência:

http://www.vidaslusofonas.pt/florbela_espanca.htm

Florbela Espanca – Parte III

Descobrindo Portugal

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FLORBELA, A ESCRITORA E O CULTO

Pergunto-me o porquê da visibilidade de Florbela e da sua aceitação por um público muito mais vasto que o de muitos outros escritores seus contemporâneos, anteriores e posteriores, de qualidade se não superior, pelo menos semelhante, e de interesse e caráter mais universalista, com preocupações capazes de fazerem apelo a um mais vasto e amplo leque de sensibilidades.

Se a sua obra apresenta inegável interesse e beleza, não deixa de constituir surpresa para alguns críticos, o impacto junto do público leitor, comparado com o de outros autores de igual valia e que fora dos meios ditos intelectuais pouco ou nada são conhecidos.

Abrimos a referida História da Literatura Portuguesa, contamos os vários nomes de escritores aí citados na mesma época, atentamos na análise deles feita pelos insuspeitos autores e constatemos o numero dos que praticamente continuam envoltos numa bruma. Mesmo para leitores de mais largos voos muitos não passam de meros desconhecidos.

Após vasta inventariação de publicações, José Augusto França, na sua obra Os anos vinte em Portugal, indicando umas dezenas de escritores, a Florbela se refere dizendo-a “escondida de todos”, acrescentando todavia que “foi ela o caso de mais profunda criação entre as mulheres que publicaram nos anos 20 portugueses”.

Para outros não é um astro da grandeza de vários dos seus contemporâneos. Estará um tanto em atraso, quer quanto à forma, quer quanto às suas preocupações. Como explicar então que seja qualificada por muitos como um dos vultos do século – e o seja, pela projecção que acaba por atingir?

Hernâni Cidade referirá “a violenta contradição entre o conceito de poesia de duas épocas distantes ou próximas”.

Alguns críticos entrelinham a análise do seu comportamento e da sua obra com dizeres onde se pressente um esforço para evitarem uma sentença relativamente dura.

Natália Correia, em longo prefácio a uma edição de Diário do último ano fala do “coquetismo patético” e refere a sua “poesia maquilhada com langores de estrela de cinema mudo, carregada de pó de arroz”. E continua, exagerando um tanto, dizendo que a escritora “estende-se na chaise-longue dos seus quebrantos de diva de versos. Muito a preceito da corte dos literatos menores. Uma cadelinha de luxo acarinhada no chá-das-cinco das senhoras do Modas e Bordados e do Portugal Feminino para explicar que isso nasce da sua insensibilidade “a rupturas engendradas pelas crises do discurso lógico masculino”.

Porquê então tal expansão?

O seu culto começa nela própria.

Leia-se o poema, cantado por conhecido grupo musical e um dos mais belos:

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e Alem Dor!
………………………..
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
………………………..
É ter fome, é ter sede de Infinito!
……………………….
É condensar o mundo num só grito!
……………………….

E quantas e quantas vezes Florbela nos recorda que é poeta! E com que euforia:

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Poucos poetas o farão tão repetidamente…

De modo algum pomos de lado a beleza do que escreve, da maneira como se exprime, e do que ocupa a sua escrita.

Sem excluir a qualidade literária, não serão porém inteiramente estranhos ao multiplicar da sua leitura, aspectos que de certo modo lhe serão alheios. Entre outros, o auto retrato da sua vida que desenha um tanto distante do ordenamento e preconceitos sociais da sua época, as variadas contradições, ou aparência de contradições (como admite José Régio) a tragédia da sua morte, o seu empenhamento na publicação, esforçado e continuado, os locais onde vive, propensos à glorificação dos naturais ou próximos, o seu proto-feminismo diferenciado do que se lhe seguirá uns anos mais tarde, mas capaz de chamar a atenção.

Um nome, Guido Batelli, italiano, professor da Universidade de Coimbra, não poderá ser esquecido. Ao traduzir para a sua língua vários dos poemas de Florbela, cria um facto que não se pode dizer muito comum .

E admirando-a sinceramente, contribuirá para a edição (póstuma) de Charneca em Flor, Reliquiae e Juvenilia. É provavelmente com a sua intervenção que se fazem as primeiras reedições do Livro de Mágoas e do Livro de Soror Saudade.

Régio, sobre o silêncio da Presença, de que diz ter vergonha, explica que só mais tarde a conhece. Chama-lhe “poesia viva” que “nasce, vive e se alimenta do seu (…) porventura demasiado real caso humano”. Acompanhará sucessivas reedições de uma parte dos poemas com extenso e elucidativo prefácio, datado de 1950, onde faz análise valiosíssima, exaltando a obra e destacando alguns dos mais brilhantes momentos da poetisa…

Mas é, possivelmente, António Ferro que, em artigo do Diário de Noticias, logo em Janeiro de 1931, chama a atenção para a poesia de Florbela e provoca um acordar de críticos e leitores que até ao presente se não extingue.

Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/florbela_espanca.htm

Florbela Espanca – Parte II

Descobrindo Portugal

Florbela Espanca

Como dizem vários estudiosos da sua pessoa e obra, Florbela surge desligada de preocupações de conteúdo humanista ou social. Inserida no seu mundo pequeno burguês, como evidencia nos vários retratos que de si faz ao longo dos seus escritos.

Não manifesta interesse pela política ou pelos problemas sociais. Diz-se conservadora.

Uma quase inventariação das suas diferentes personalidades desenha-se nas palavras de um dos seus contos, a que deu o titulo À margem de um soneto que integra o volume intitulado O Dominó Preto.

Inicia-o falando duma poetisa, a dizer que “vestida de veludo branco e negro, estendeu a mão delgada, onde as unhas punham um reflexo de jóias….”, informando um visitante de que tinha fechado o seu “livro de versos… com um belo soneto!”

Segue, “num olhar… afogado em sonho” e “numa voz macia e triste” a leitura do soneto e termina com “o mal de ser sozinha”…suportando “o pavoroso e atroz mal de trazer/ tantas almas a rir dentro da minha!….”

O conto continua em tons e quadros que Florbela frequentemente considera como de si própria e aqui atribui a suposta romancista brasileira: “feia, nada elegante, inteligente, mas com o talento, o espírito e a graça, e sobretudo o encanto, duma imaginação extraordinária, palpitante de vida, apaixonada e colorida, sempre variada, duma pujança assombrosa.”

Pondo na mente do marido da personagem, o seu próprio discurso, vai enunciando as “almas diversas que eram dela” e que “ocultava dentro de si”.

Entrevê a personagem “imaculada, ingênua, fria, longínqua”; “inacessível e sagrada” de “imaterial beleza” e “a morrer virginal e sorridente”.

Referindo um outro imaginário romance apresenta-se “ardente e sensual, rubra de paixão, endoidecendo homens, perdendo honras…”

Com alusão a terceiro presumível livro, qualifica-se “céptica e desiludida, irônica, desprezando tudo, desdenhando tudo, passando indiferente em todos os caminhos, fazendo murchar todas as coisas belas”. Mente “dia e noite só pelo prazer de mentir” e “beija doidamente um amante doido.”

Quem, ao ler a sua obra poética, a sua prosa, as suas cartas, os seus outros escritos, não a vê usar um milhar de vezes para si própria, termos semelhantes, ultrapassando até tais qualificativos e exageros?

Antes do final ainda a exaltação do ser poeta, que se pode considerar uma das suas constantes:

“- As almas das poetisas são todas feitas de luz, como as dos astros: não ofuscam, iluminam….”

Quem é realmente Florbela?

Ninguém é definível numa só dimensão, num só conjunto de qualidades. Todo o ser é uma intersecção de adjetivações diferentes e até opostas, ensina-me, desde a juventude, o meu amigo Diogo de Sousa, que cursava Filosofia.

No caso da poetisa tem a particularidade de ser ela própria a evidenciá-lo, permanentemente e sem constrangimentos. Parafraseando António José Saraiva e Oscar Lopes na História da Literatura Portuguesa: estimula e antecede o “movimento de emancipação literária da mulher” que romperá “a frustração não só feminina como masculina, das nossas opressivas tradições patriarcais….”

Na sua escrita é notável, como dizem os mesmos mestres, “a intensidade de um transcendido erotismo feminino”. Tabu até então, e ainda para além do seu tempo, em dizeres e escreveres femininos.

Os referidos autores, em capitulo sob o titulo Do simbolismo ao modernismo, enumerando várias tendências como “método de exposição … pedagógica” incluem Florbela num grupo que designam como “Outros poetas”. Qualificam-na como “sonetista com laivos parnasianos esteticistas” e “uma das mais notáveis personalidades líricas”.

O seu egocentrismo, que não retira beleza à sua poesia, é por demais evidente para não ser referenciado praticamente por todos.

Sedenta de glória, diz Henrique Lopes de Mendonça, transcrito por Carlos Sombrio.

Na sua escrita há um certo numero de palavras em que insiste incessantemente. Antes de mais, o EU, presente, em quase todas as peças poéticas. Largamente repetidos vocábulos reflexos da paixão: alma, amor, saudade, beijos, versos, poeta, e vários outros, e os que deles derivam.

Escritos de âmbito para além dos que caracterizam essa paixão não são abundantes, particularmente na obra poética. Salvo no que se refere ao seu Alentejo.

Não se coloca como observadora distante, mesmo quando tal parece, exterior a factos, ideias, acontecimentos.

Curiosa é a posição da poetisa quanto ao casamento. Mau grado dizer que a única desculpa que se atribui é ter casado por amor (!!!), várias vezes se afirma inteiramente contra, apesar de ter contraído matrimônio por três vezes…

Entre os poetas seus preferidos destacam-se António Nobre, Augusto Gil, Guerra Junqueiro, José Duro e outros de correntes próximas. Interessa-se também por Antero.

Pela não publicação das suas obras, ora se mostra descontente por não encontrar editor para os livros que, após os dois primeiros, deseja dar a público, ora pretende mostrar-se desinteressada, mesmo desdenhosa pelo facto. Embora o desgosto seja saliente.

Passados perto de setenta anos sobre a sua morte são falados comportamentos menos ortodoxos em relação à moral sexual do seu tempo. Algumas expressões de emocionalidade um tanto excessiva para a época, embora não exclusivas da escritora, ajudam a suspeita.

Lembramos a sua correspondência e as referências ao irmão, Apeles. Os seus excessos verbais parece não passarem disso mesmo – imoderação para exprimir uma paixão. Aqui, exaltação fora do comum de um amor fraternal mas que não destoa do falar dos seus sentimentos.

Semelhante escrever na correspondência com uma amiga. Afinal nunca esteve junto dessa mesma amiga e apenas a viu em retrato.

Esses limites alargados na expressão do amor, da amizade e das afeições, são uma constante.

Fernanda de Castro, em escrito retido por Carlos Sombrio, explica as suas contradições, ao dizer” não soube viver sem quebrar preconceitos, algemas, correntes – e não teve coragem de os quebrar todos”.

Florbela, poetisa, não pode ser separada da sua condição de mulher, das suas paixões, da sua maneira de ser, da sua vida, das suas contradições, humildade e orgulho, preconceitos, sua presença e ausência, seus amores e desamores, explica-me a minha jovem amiga Clara Santos, florbelista militante.

A sua única preocupação é ela própria, o amor, a paixão… o querer e o não querer. A par duma vida pouco comum para os cânones vigentes – dois divórcios e três casamentos em cerca de quinze anos – essa relação mulher-paixão e a exaltação ao exprimir-se sobre si própria, podem ter contribuído para os conceitos aludidos.

Repare-se neste começo de um dos seus mais conhecidos sonetos:

Eu quero amar, amar perdidamente !
Amar só por amar: Aqui … além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente …
Amar ! Amar! E não amar ninguém !

e no final da quadra seguinte:

Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Na época, conservadora como diz ser, leva a crer muito provavelmente, num viver que nos factos se coadunará e não se distanciará dos conceitos morais e sociais vigentes.

Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/

Florbela Espanca – Parte I

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Vila Viçosa, final do ano de 1894, noite de sete para oito de Dezembro.

Antónia da Conceição Lobo sente as dores do parto. Nasce uma menina. Não vem ao encontro das alegrias da família. Não há assim lugar ao habitual regozijo de tais momentos. Não parece ter sido desejada por qualquer das partes. É baptizada como filha de pai incógnito. Avôs e avós também incógnitos. É-lhe posto o nome de Flor Bela de Alma da Conceição. Na literatura portuguesa será chamada Florbela Espanca. Apelido que receberá do pai, João Maria Espanca, já então levantado o véu encobridor. Curiosamente, o padre que a baptiza e a madrinha usam o mesmo apelido.

A mãe morre algum tempo depois.

Tem infância sem falta de carinhos e a sua subsistência não será ensombrada por insuficiências que atingem muitas das crianças que nascem em circunstâncias semelhantes.

O pai não a deixará desprovida de amparo. Ela própria assim o diz quando aos dez anos, em poema de parabéns de aniversário ao “querido papá da sua alma” escreve que a “mamã” cuida dela e do mano “mas se tu morreres/ somos três desgraçados” .

Será acarinhada pelas duas madrastas, como revelará na sua própria correspondência.

Ingressa no liceu de Évora. Num tempo em que poucas raparigas frequentam estudos, e bonita como é, apesar de umas tantas vezes afirmar o contrário, põe à roda a cabeça dos colegas.

Não são aqueles os primeiros versos. Antes já os escrevera com erros de ortografia. Naturalmente infantis, mas avançados em relação à idade. De algum modo, prenunciam o que virá depois.

Esta precocidade contrasta com um quê de desajustamento futuro, quando a sua escrita divergirá dos conceitos de poesia dos grupos do Orfeu, Presença e outras tendências do designado “Modernismo”, e que emergem como as grandes referências literárias da época. Das quais Florbela parecerá arredada.

Inicialmente sem dificuldades econômicas, como deixa perceber. Explicadora, trabalhará ensinando francês, inglês e outras matérias. Mais tarde, com vinte dois anos, irá cursar Direito na Universidade de Lisboa.

Publica vários poemas em jornais e revistas não propriamente dedicados à poesia, como seja Noticias de Évora e O Século ou de circulação local.

Edita os seus primeiros livros, Livro de mágoas em 1919, e em 1923 Livro de Soror Saudade, onde incluirá grande parte da produção anterior.

Refere o seu Alentejo e os locais ligados às suas origens, e exalta a Pátria em alguns poemas. Mas a sua escrita situar-se-á sobretudo no campo da paixão humana.

Contrai matrimônio por três vezes. Do primeiro marido, Alberto Moutinho, usa o apelido em alguns escritos, nomeadamente correspondência. Do terceiro marido, Mário Lage, juntará o apelido à assinatura usual, nas traduções que efetuará. Do segundo, António Guimarães, não parece haver reminiscências explicitas nos escritos de Florbela, que lhe terá dedicado obra que publica como Livro de Soror Saudade, titulo diferente do projetado e esquecendo a dedicatória.

Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt

Miguel Torga

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Miguel Torga, pseudônimo de Adolfo Correia da Rocha, (SãoMartinho de Anta,12 de agosto de 1907 — Coimbra, 17 de janeiro de 1995) foi um dos mais influentes poetas e escritores portugueses do século XX. Destacou-se como poeta, contista e memorialista, mas escreveu também romances, peças de teatro   e ensaios.

Primeiros anos e educação

Nasceu na localidade de São Martinho de Anta, em 12 de Agosto de 1907. Oriundo de uma família humilde de Sabrosa, era filho de Francisco Correia Rocha e Maria da Conceição Barros. Em 1917, aos dez anos, foi para uma casa apalaçada do porto, habitada por parentes. Fardado de branco, servia de porteiro, moço de recados, regava o jardim, limpava o pó, polia os metais da escadaria nobre e atendia campainhas. Foi despedido um ano depois, devido à constante insubmissão. Em 1918 foi mandado para o seminário de Lamego onde viveu um dos anos cruciais da sua vida. Estudou Português e História aprendeu latim e ganhou familiaridade com os textos sagrados. Pouco depois comunicou ao pai que não seria padre.

Emigrou para o Brasil em 1920 , ainda com doze anos, para trabalhar na fazenda do tio, proprietário de uma fazenda de café. Ao fim de quatro anos, o tio apercebe-se da sua inteligência e patrocina-lhe os estudos liceais, em Leopoldina. Distingue-se como um aluno dotado. Em 1925, convicto de que ele viria a ser doutor em Coimbra, o tio propôs-se pagar-lhe os estudos como recompensa dos cinco anos de serviço, o que o levou a regressar a Portugal e concluir os estudos liceais.

Carreira profissional e literária

Em 1928, entra para a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e publica o seu primeiro livro de poemas, Ansiedade. Em 1929, com vinte e dois anos, deu início à colaboração na revista Presença, folha de arte e crítica, com o poema Altitudes. A revista, fundada em 1927 pelo grupo literário avançado de José Régio, Gaspar Simões de Branquinho da Fonseca ,  era bandeira literária do grupo modernista e bandeira libertária da revolução modernista. Em 1930 rompe definitivamente com a revista Presença, junto com  Edmundo Bittencourt e Branquinho da Fonseca e , por «razões de discordância estética e razões de liberdade humana», assumindo uma posição independente. Nesse ano, publica o livro Rampa, lançando, no ano seguinte, Tributo e Pão Ázimo, e, em 1932, Abismo. Em colaboração com Branquinho da Fonseca, funda a revista Sinal, de efémera duração, e, em 1936, lança, junto com Albano Nogueira, o periódico Manifesto. Nesse ano, publica O Outro Livro de Job.

A obra de Torga traduz sua rebeldia contra as injustiças e seu inconformismo diante dos abusos de poder. Reflete sua origem aldeã, a experiência médica em contato com a gente pobre e ainda os cinco anos que passou no Brasil (dos 13 aos 18 anos de idade), período que deixou impresso em Traço de União (impressões de viagem, 1955) e em um personagem que lhe servia de alter-ego em A criação do mundo, obra de ficção em vários volumes, publicada entre 1937 e 1939. As críticas que fez aí ao franquismo  resultaram em sua prisão (1940).1 Publica os livros A Terceira Voz em 1934, aonde pela primeira vez empregou o seu pseudônimo, Bichos em 1940,Contos da Montanha em 1941, Rua em 1942, O Sr. Ventura e Lamentação em 1943, Novos Contos da Montanha e Libertação em 1944, Vindima em 1945, Sinfonia em 1947, Nihil Sibi em 1948, Cântico do Homem em 1950, Pedras Lavradas em 1951, Poemas Ibéricos em 1952, e Orfeu Rebelde em 1958.

Crítico da praxe e das restantes tradições acadêmicas, chama depreciativamente «farda» à capa e batina. Ama a cidade de Leiria, onde exerce a sua profissão de médico a partir de 1939 até 1942, onde escreve a maioria dos seus livros. Em 1933 concluiu a licenciatura em Medicina pela Universidade de Coimbra.Começou a exercer a profissão nas terras agrestes transmontanas, pano de fundo de grande parte da sua obra. Dividiu seu tempo entre a clínica de Otorrinolaringologia e a literatura. Após a Revolução dos Cravos que derrubou o regime fascista em 1974, Torga surge na política para apoiar a candidatura de  Ramalho Eanes à presidência da República (1979). Era, porém, avesso à agitação e à publicidade e manteve-se distante de movimentos políticos e literários.

Autor prolífico, publicou mais de cinquenta livros ao longo de seis décadas e foi várias vezes indicado para o Prêmio Nobel da Literatura.

Casamento e últimos anos

Casou-se com Andrée Crabbé em 1940, uma estudante belga que, enquanto aluna de Estudos Portugueses, com Vitorino Nemésio  em Bruxelas, viera a Portugal fazer um curso de verão na  Universidade de Coimbra . O casal teve uma filha,  Clara Rocha,, nascida a 3 de Outubro de 1955, e divorciada de  Vasco Graça Moura.

Torga, sofrendo de cancro, publicou o seu último trabalho em 1993, vindo a falecer em Janeiro de 1995. A sua campa rasa em São Martinho de Anta tem uma  torga  plantada a seu lado, em honra ao poeta.

A origem do pseudônimo

Em 1934, aos 27 anos, Adolfo Correia Rocha cria o pseudônimo “Miguel” e “Torga”. Miguel, em homenagem a dois grandes vultos da cultura ibérica: Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno . Já  Torga é uma planta brava da montanha, que deita raízes fortes sob a aridez da rocha, de flor branca, arroxeada ou cor de vinho, com um caule incrivelmente retilíneo.

A obra de Torga

A obra de Torga tem um carácter humanista: criado nas serras transmontanas, entre os trabalhadores rurais, assistindo aos ciclos de perpetuação da natureza, Torga aprendeu o valor de cada homem, como criador e propagador da vida e da natureza: sem o homem, não haveria searas, não haveria vinhas, não haveria toda a paisagem duriense, feita de socalcos nas rochas, obra magnífica de muitas gerações de trabalho humano. Ora, estes homens e as suas obras levam Torga a revoltar-se contra a Divindade Transcendente a favor da imanência: para ele, só a humanidade seria digna de louvores, de cânticos, de admiração: (hinos aos deuses, não/os homens é que merecem/que se lhes cante a virtude/bichos que cavam no chão/atuam como parecem/sem um disfarce que os mude).

Para Miguel Torga, nenhum deus é digno de louvor: na sua condição omnisciente é-lhe muito fácil ser virtuoso, e enquanto ser sobrenatural não se lhe opõe qualquer dificuldade para fazer a natureza – mas o homem, limitado, finito, condicionado, exposto à doença, à miséria, à desgraça e à morte é também capaz de criar, e é sobretudo capaz de se impor à natureza, como os trabalhadores rurais transmontanos impuseram a sua vontade de semear a terra aos penedos bravios das serras. E é essa capacidade de moldar o meio, de verdadeiramente fazer a natureza, mal-grado todas as limitações de bicho, de ser humano mortal que, ao ver de Torga, fazem do homem único ser digno de adoração.

Traduções

Seus livros foram traduzidos em diversos idiomas, algumas vezes publicados com um prefácio seu: espanhol, francês, inglês, alemão, chinês, japonês, croata, romeno, norueguês, sueco, holandês, búlgaro.

Prémios e homenagens

  • 1969 – Prémio do Diário de Notícias
  • 1976 – Prémio de Poesia da XII Bienal de Internacional de Poesia de KnokkiHeist (Bélgica) (1977)
  • 1980 – Prémio Morgado de Mateus, com Carlos Drummond de Andrade (1980)
  • 1981 – Prémio Montaigne da Fundação Alemã F.V.S.
  • 1989 – Prêmio Luso-Brasileiro de Luis de Camões (1989)
  • 1991 – Prémio Personalidade do Ano
  • 1992 – Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores
  • 1993 – Prémio da Crítica, consagrando a sua obra

O seu nome foi colocado, em 3 de Maio de 1995, numa rua da Freguesia de Santa Maria, no Concelho de Lagos.

Poetas Portugueses – Fernando Pessoa

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      Fernando Antônio Nogueira Pessoa foi um dos mais importantes escritores e poetas do modernismo em Portugal. Nasceu em 13 de junho de 1888 na cidade de Lisboa (Portugal) e morreu, na mesma cidade, em 30 de novembro de 1935.

Biografia 

      Fernando Pessoa foi morar, ainda na infância, na cidade de Durban (África do Sul), onde seu pai tornou-se cônsul. Neste país teve contato com a língua e literatura inglesa.

    Adulto, Fernando Pessoa trabalhou como tradutor técnico, publicando seus primeiro poemas em inglês.

      Em 1905, retornou sozinho para Lisboa e, no ano seguinte, matriculou-se no Curso Superior de Letras. Porém, abandou o curso um ano depois.
Pessoa passou a ter contato mais efetivo com a literatura portuguesa, principalmente Padre Antônio Vieira e Cesário Verde. Foi também influenciado pelos estudos filosóficos de Nietzsche e Schopenhauer. Recebeu também influências do simbolismo francês.

      Em 1912, começou suas atividade como ensaísta e crítico literário, na revista Águia.

   A saúde do poeta português começou a apresentar complicações em 1935. Neste ano foi hospitalizado com cólica hepática, provavelmente causada pelo consumo excessivo de bebida alcoólica. Sua morte prematura, aos 47 anos, provavelmente aconteceu em função destes problemas, pois apresentou cirrose hepática.

O ortônimo e os heterônimos de Fernando Pessoa

     Fernando Pessoa usou em suas obras diversas autorias. Usou seu próprio nome (ortônimo) para assinar várias obras e pseudônimos (heterônimos) para assinar outras. Os heterônimos de Fernando Pessoa tinham personalidade própria e características literárias diferenciadas. São eles:

Álvaro de Campos
Era um engenheiro português de educação inglesa. Influenciado pelo simbolismo e futurismo, apresentava um certo niilismo em suas obras.

Ricardo Reis
Era um médico que escrevia suas obras com simetria e harmonia. O bucolismo estava presente em suas poesias. Era um defensor da monarquia e demonstrava grande interesse pela cultura latina.

Alberto Caeiro
Com uma formação educacional simples (apenas o primário), este heterônimo fazia poesias de forma simples, direta e concreta. Suas obras estão reunidas em Poemas Completos de Alberto Caeiro.

Referência

http://www.suapesquisa.com/biografias/fernando_pessoa.htm