Meu Natal Foi Ontem

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Entre tantos ontens fui viver novamente o natal de 1957. Rua grande pouco iluminada, chuva intensa, barulho de sapatos equilibrando nos cascalhos. O sino batendo tristemente confundindo com os sons dissonantes da  água que caia do céu e batia no telhado. Uma profusão de barulhos desencadeando sons confusos.

Eu e meus irmãos deitados em nossas camas patentes tentávamos dormir, mas a visita que Papai Noel faria em nossa casa trazendo-nos presentes atrapalhava nosso sono. Muita ansiedade. O bom velhinho entraria pela janela na madrugada. Não havia chaminé. Verifiquei as janelas, estavam fechadas. Certamente meu pai e minha abririam mais tarde.

Minha mãe foi à missa do Galo. Missa que começava pontualmente à meia noite e terminava no início do outro dia, lá pelas 1h30min, quando os galos ameaçavam os seus cantares.

Ansiosa ouvi nossa mãe chegar com minhas tias e tios. Fingi dormir. Meus irmãos estavam ressonando. Senti o cheiro da ceia. Não podia levantar. O sono acabou vencendo-me. Acordei com o barulho rotineiro da labuta da casa. Nossos corpos penderam para o chão… Papai Noel havia nos visitado. Minha mãe e meu pai lembraram de abrir as janela! Dentro dos nossos sapatos arrumadinhos ao lado das camas estavam jogos de marmitas, panelinhas, bonecas…

Alegria… Alegria… Íamos fazer cozinhadinho, meu irmão iria transportar pedra e bois confeccionados com mangas verdes com pés de madeira no seu belo caminhão colorido! Uma festa! “Papai Noel não esquece de ninguém; seja rico ou seja pobre o velhinho sempre vem”.

Minha alegria encolheu quando percebi que nem todos ganharam presentes… Seus pais deixaram as janelas fechadas e o bom velhinho não conseguiu entrar!

Alda Alves Barbosa

NATAL DE TODO DIA

Estrela de Belém
Nas tardes coloridas sentávamos todos, adultos e crianças, nas calçadas da casa de tia Amélia, enquanto as águas do Rio Preto desciam perigosamente sonolentas. Só no escuro da noite ele cantava; era sempre um canto triste, doído…

Mas naquela hora, tomando a fresca da tarde, o sol já estava despedindo do dia, descendo os horizontes, deixando fios de ouro no céu, os adultos, uma grande parentela, nada viam, conversavam entre si sobre as miudezas das horas passadas. Muitas vezes cochichavam – coisas de gente grande -, dizíamos nós.

Pouco ou nada sabíamos da vida, mas gostávamos de inventá-la, de brincar de faz-de-conta, ser e ter o que queríamos. Era muito bom brincar de sonhar! Mas queríamos mesmo era olhar e acompanhar no céu as estrelas mais brilhantes e apontar para contá-las, mesmo correndo o risco das verrugas espalharem por todo nosso corpo. Às vezes, quando ficávamos muito tempo sem ver uma determinada estrela, eu acordava de madrugada para vê-la. Havia em mim e elas, uma relação de saudade.

O céu, este mistério onde nasce o calor, cai a chuva, nasce o luar e nos presenteia com as estrelas, pirilampos pisca-pisca, com o tempo, todo ele já fazia parte de nós: Três Marias, Marias de quê, de quem? Estrela Dalva! Não podia ser Alva? Cruzeiro do Sul, em forma de cruz! Cruz de Jesus? nossa cruz? Estrela Cadente! Palavra bonita, poética, estrela poesia!…

Ah, Estrela de Belém, estrela que víamos todas as noites. Nunca se escondeu de nosso olhar. Estrela santa, brilho intenso, em sua cauda carregava o mundo! Corria sempre na mesma direção… e nós a abraçávamos e algo acontecia dentro dos nossos corações: uma espécie de renascimento!

Alda Alves Barbosa

Paralelas

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Eu e eu, paralelas perdidas na tentativa de um encontro impossível. Vida e vida balançando no agito do vento. Eus que se olham e não se tocam – memória minha no corpo de outro que também sou eu. Um muro acende o grito. Almas estranhas, frias, entardecidas; memórias afogadas no passado, distância triste como um canteiro de margaridas murchas.

Alda Alves Barbosa

Estilhaços

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Há solidão no amor;
se amo, amo para poder
amar a mim mesma;
amo para ser menos só
para alcançar-me e
oferecer ao outro a
ilusão de que contamos
com nossa mútua companhia.
Amo você, você me ama…
e assim temos um ao outro…

Uma troca triste… estilhaços humanos –

Alda Alves Barbosa

Porque te amo, Unaí

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Boca da Ponte

Ó doce e quente Unaí, nenhum braço, nenhuma mão pode constranger-te porque tu és livre. Se nossos pés tocam teu solo é com a tua permissão; ninguém ousa afirmar que tomou posse de ti.

Sim, tu és livre para permitir que o sol escaldante derrame teus raios ardentes sobre ti; tu és livre para tecer asas e voar como os poetas… Não permita, ó doce Unaí, que nenhum de nós que deita sobre teus seios subtraia o respiro e te sufoque com falsos abraços; não consinta que mãos impuras te acariciem com gestos desordenados, tristes…

E tu me diz: – Já cortaram-me as sombras, já extinguiram os meus negros frutos, já extirparam os meus cachos cor de ouro…
E eu te digo: – Cortaram-te, extirparam-te, deixaram-te nua, mas te resta o solo calcário, o Rio Preto e tuas asas!

Voa, doce Unaí! Segure nas asas do sonho e costure versos para ti! Quem não te vê como poesia não conseguirá tocar-te!

Alda Alves Barbosa

Mais um causo unaiense – (verdadeiro)

BEM VINDO

Sete horas. Manhã quente e uma preguiça morna. “Enfrentar a manhã tão cheia de sol, imagina à tarde… à noite… Melhor não pensar.” Nara espreguiçou-se e afastou os pensamentos. Hora de trabalhar! Vestiu-se rapidamente e subiu à rua grande que já era Av. Governador Valadares e os postes já haviam sido retirados do meio da rua.

Como todos os dias, com exceção dos domingos, lá estava seu tio muito bem vestido e perfumado sentado confortavelmente numa cadeira de tiras de plástico vermelhas à espera de um freguês ou de um parente/amigo para jogar conversa fora ou para um dedinho de prosa.

Nara tomou a benção – era seu tio/avô -, e subiu à pequena e estreita escada de madeira, “Calor dos infernos – Unaí é assim: no verão um calor insuportável e chuvas intensas pra fazer lamaçal. O inverno era gostoso; frio bom, as muriçocas davam trégua e podíamos usar cobertor, Ah, a primavera! Flores no cerrado, pequenas, humildes, mas bonitas. Do outono só sei o que me ensinaram no Grupo Escolar Domingos Pinto Brochado: estação das “verduras.”

Olhou o tio/avô sentado lá fora apreciando o calor e, num impulso, pegou o telefone negrão e numa voz sensual ligou para o outro que ficava na parte de baixo da loja e disse:
– Bom dia, o Senhor Antônio, por favor.
– Pai, telefone chamando o senhor. “(esquisito), mas era assim.”
– Senhor Antônio, bom dia. Meu nome é Sandra e passei agorinha na porta da loja e vi o senhor sentado, etc… Como o senhor está bonito com esta camisa listrada de azul e esta calça caqui. Tão bem penteado… E o perfume? Bom demais.
– Sentiu meu cheiro lá do meio da rua?
– Sim, senti. Estou aqui a imaginar como seria bom sentir este seu perfume abraçada a você!
– (silêncio)
– Olha, eu ligo amanhã. Não vejo a hora de revê-lo. Desligou. Seu tio/avô ajeitou os óculos no nariz e com um sorriso sorrateiro voltou a sentar-se.

No outro dia ele estava impecável. Outro telefonema e mais perfume “Madeira do Oriente.”
As chamadas via telefone continuaram por mais de um mês sem intervalos. Muita roupa, muita brilhantina e muito perfume foram comprados. O “Madeira do Oriente,” antes jogado em gotas no corpo, na roupa, no cabelo, agora como rios jorrava pelo seu corpo.

Exalava felicidade. Estava na idade do lobo, e Nara com os outros funcionários morriam de dor de cabeça e/ou náuseas. Atendendo a pedidos (cansaço das reações adversas do rio de perfume madeira), o telefone emudeceu para esta finalidade.

Lá de cima, na contabilidade, Nara testemunhava a ansiedade com que ele esperou durantes dias por um telefonema. Seu rosto havia perdido a alegria; o bigode chinês ficou mais acentuado… Estava apaixonado!…

Alda Alves Barbosa

Palavras ao Vento

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Teci tantos versos
Para ti, amor
Rasguei-os…
Devolvi-os ao vento.
Não foi o vento que
o trouxe para mim?

E se relâmpagos cortarem
Os céus e um temporal cair
Que ele leve teus restos
em direção ao nada,
Ao nada que restou de
ti em mim.

Teci tantos versos para ti, amor!

Alda Alves Barbosa

MAIS UM CAUSO DO CERRADO UNAIENSE

lampião E as chuvas no cerrado interromperam. O veranico começara. As muriçocas vampirescas encontravam sangue de sobra para se entupirem do alimento que elas apreciavam.

Nesta época dormíamos mais tarde… Nada havia para fazer no quente verão do cerrado. A luz elétrica – tomatinho – deixava de sombrear cedo da noite. Lamparinas e lampiões bruxuleavam nos cômodos das casas.

Enquanto isso, nós, as crianças, em meio à escuridão dos quintais, quebrada às vezes apenas pela beleza clara da lua, colocávamos nossos neurônios para funcionar à procura de algo para preencher o tempo – Alimentar as muriçocas antes do horário estava fora de cogitação.

Jovina, mulher grande, forte e só conversava com ela mesma, morava na casa de dindinho Filadelfo e tia Dasdores. Casa bonita, cheia de cômodos… Nenhuma casa na pequena Unaí comparava-se a ela. Linda e bem cuidada acolhia muitos que por ali passava. Jovina compareceu ou apareceu com seu sobrinho e ali se instalaram.

Jovina transitava entre a cozinha e seu quarto; pouco comparecia nos outros lugares da casa. Sempre usava saias compridas e franzidas, o que a aumentava mais horizontalmente.

E foi justamente num destes veranicos que nossas cabeças de crianças, para sair das mesmices, arquitetaram um plano: vesti a capa de couro de dindinho Filadelfo, na cabeça um chapéu de couro e juntas (não tenho autorização para citar nomes), rumamos para o porão.

Em cima ficava o quarto de Jovina. E minha voz trêmula – voz de gente do outro mundo – ecoou pelo espaço: – Jovinaaaaaa…. eu venho do mundo de laaaaaaaáôôôô – Vim lhe avisar que seu irmão vai morrerrrrrrrrêêê (não sabia que ela tinha irmão). E minha voz tenebrosa repetia… repetia… repetia… Ela, Jovina, sabedora que era eu, que éramos nós – já estava acostumada -, mandava-nos embora com pequenos xingamentos. Cansados da brincadeira fomos embora já dispostos a ser alimento das muriçocas.

No dia seguinte o irmão de dona Jovina , vindo de uma fazenda, chega à pequena Unaí num banguê – Estava muito ruim de saúde e faleceu.

Imaginem quem o matou? Imaginaram? Pois é… Ela realmente acreditou naquela triste brincadeira de criança que não tinha TV, Internet, celular… e só a lua clareava as ruas!

Alda Alves Barbosa

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