O dia estava plúmbeo. Dias assim me convidam à nostalgia. E para que ela não trouxesse as malas, resolvi sair. Em meio à cor cinzenta que pairava sobre a cidade eu poderia encontrar a luz para pescar palavras. Poesia é assim. Uma rajada de vento, um pingo de chuva, uma flor miúda no asfalto e os versos acontecem.
E foi pensando em possibilidades que o vi tentando atravessar a rua. Vestia um casaco marrom, calças largas, e seu corpo curvado parecia carregar as dores do mundo.
Nós dois entrando no palco. Meu vestido justo, longo e vermelho com decote e fendas ousadas. Qualquer movimento deixava minhas pernas jovens à mostra. Era um vestido sedutor. Os sapatos com saltos bem altos e firmes. Nos cabelos louros uma rosa cor de carne dava mais sensualidade ao cabelo. Na boca o batom carmim arrematava o figurino. Ele, usando calças afuniladas, camisa de seda, sapatos brilhantes e firmes; suspensório e chapéu como parte do imaginário do tango.
No poço do palco, o som ritmado do sax. Passo a passo nos aproximamos. Olhos nos olhos… um arrepio em meu corpo e fui enlaçada pelos seus braços fortes, másculos.
Entreguei-me à dança. Entreguei-me a ele. Meu corpo sensual o convidava à exigência.
Lentamente retirei a flor do cabelo e o entreguei. No meu olhar havia o convite para o acasalamento.
A música nos envolvia e nossos olhos diziam o que desejávamos. Fomos nos entregando ao tango… ao outro. O amor aconteceu ali, no roçar dos corpos, no som sensual do sax de Piazzola a espiar nosso gozo. Gozo do corpo e da alma. Música e sêmen. Momento único e eterno.
Eu o vi atravessar a rua. Tive ímpetos de gritar por ele… Tanto tempo! Eternizei estes instantes. Eles sustentam minha vida.
Alda Alves Barbosa
Oh louco!!!! I. O tango é uma dança ousada mesmo, com ar de agressividade, mas a sua imaginação pra escrever um conto destes, valha-me Deus é talento demais. (só uma curiosidade: tinha mais alguém no salão).
Parabéns