TIO TONICO

Leontina estava às voltas com os afazeres da pequena casa, da pequena roça e família grande demais. Parecia milagre caber tanta gente ali: pai, mãe e muitos irmãos… e vasilha para lavar é que não faltava. O pior mesmo era bater na pedra até ela esfarinhar e transformar em areia. Esta areia servia para arear as panelas de ferro. Era cansativo, mas compensava a trabalheira. Elas  ficavam um brilho só e Leontina arrematava tudo olhando seu rosto refletido no fundo das inúmeras panelas e sorria. Sentia gratificada vendo seu rosto jovem e belo nos “espelhos.” Ia arrumar casamento. “Tenho tudo para não ficar solteirona. Questão de tempo… Bastava dar um passeio pelo pequeno distrito e com certeza um belo homem cederá aos meus encantos! Mas até este dia chegar tenho que percorrer tempos em léguas.” Nossa! Gritou assustada – esquecera do tio Tonico. “Devia estar com muita fome. Mania de esconder na mata quando estava triste!” Ficava dias enfurnado ali sozinho, tendo como companhia apenas a natureza. Ninguém sabia o que ele fazia quanto transformava o mato em sua morada. Seu alimento sempre era colocado no mesmo lugar, um pouco distante de onde ele ficava. E só depois que Leontina saía ele  pegava a comida. Todos respeitavam os hábitos dele, e o temiam. Nestas crises tio Tonico costumava ficar violento. O medo era maior que a curiosidade.
“Vá entender a vida… tudo muito complicado. Tio Tonico aprendeu a ler e a escrever sozinho, nunca frequentou a escola e, quando a doença lhe deixava em paz ele costumava dar aulas na única escola do povoado. Era profundo conhecedor de história, era um autodidata. Sabia a bíblia de cor, costumava citar capítulos, versículos”… Verdadeira judiação! A doença era proporcional a sua inteligência, grande demais!”– Pensava Leontina.
Nas crises mais brandas brigava com Deus e enaltecia o diabo. A família dizia a ele que falar daquela forma era  pecado. Muitas vezes ele concordava, em outras ele se fazia de desentendido e saía pro quintal gesticulando procurando justificar a sua atitude com vocabulário pouco usual.
Tinha uma presença de espírito de causar inveja. Certa vez entrou na cozinha e olhando para Leontina começou o xingatório: desgraça… desgraça… desgraça… Ela, muito pacienciosa, olhou para ele e disse: – Tio Tônico, o senhor está pedindo para a desgraça aparecer e Deus vai ouvir. O senhor sabe como ela é, mete medo em qualquer um… Muita alta, muito magra, anda com uma trouxa na cabeça e leva todos para o outro mundo.” Ele que tinha pavor da morte, furiosamente gritou: eu disse que agradecia as dez graças, as dez graças, entendeu?
Alda Alves Barbosa

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