Nem de um jeito, nem de outro

– Você está bem hoje?
– Sim, estou.
– Não parece. Está estranho, quieto, olhar ausente…
– Impressão sua.
– Ora, eu a conheço. Você não está bem. Está triste. Aconteceu algo?
– Não, nada aconteceu. Fique tranquilo.
– Tem certeza? Não quer desabafar?
– Não, nada tenho para desabafar, você não me conhece como eu me conheço.
– Viu? Você parece angustiada!
– Não, é que você fica insistindo que estou numa situação que não estou.
– Mas hoje você está diferente. Não parece ser a mesma pessoa que convivo todos os dias, alegre, feliz!…
– Sou a mesma de todos os dias, nem mais eu, nem menos eu. Sou o todo de mim hoje, como fui no ontem.
-Não quer falar não fala, mas você não está bem mesmo.
-O diálogo direcionado ao meu jeito de estar no mundo hoje influencia e, ao mesmo tempo, me irrita. Quando não estou alegre não significa que estou triste. A alegria já nasceu com o bilhete de passagem de idas e voltas.
O colega procura ver em mim o que ele precisa ver. Atrás de um vestígio deixa o meu rosto encovado, os vincos vão surgindo nas minhas faces denunciando minha idade que procuro esconder, a alergia à poeira e as unhas por fazer.
Eu que não estava triste abraço a tristeza. l Estava apenas experimentando a paz de ter outro dia para viver. Mas de tanto ouvir a preocupação de que eu não parecia ser eu, entristeço. Começo a duvidar de mim. Vou verificar as minhas para ver se ainda há um lugar firme para roer, e fico me perguntando: – Será que sentir paz é estar na tristeza? Estar serena é estar na presença da tristeza? Ou porque há tristeza em observar o novo dia que nasceu e eu nasci com ele? Na verdade fiquei triste. Estou agora triste sem tristeza. Pensando bem é triste parecer triste quando não se está. Como é fácil se entristecer! Uns questionamentos idiotizados e a alegria cede lugar à tristeza. Mas quem não é triste lendo o jornal do dia anterior? Quem não é triste aguardando o ônibus? Esperando o metrô? Quem não é triste com as mãos no bolso olhando o tempo passar? Ou indo diariamente para o serviço, tropeçando no escuro sem ter a mínima noção se as nuvens darão lugar ao sol, ou o céu se encobrirá de nuvens negras?
A tristeza permite vasculhar as gavetas. A tristeza nos faz colocar datas nas fotografias para no futuro olhar o passado, por em ordem os amores que já foram amores, a imaginar as alegrias que ainda não chegaram. Nossa confiança não resiste a muitos questionamentos. Nossa confiança está acostumada com um oi, tudo bem e tiau.

Alda Alves Barbosa