PAISAGEM


A tarde me olhava e eu seguia em frente, não me importava com as horas mortas, precisava ir, precisava andar, ver de novo o que já havia visto e constatado centenas de vezes. Meu corpo, coberto por vestes trágicas do desespero, chorava. Lágrimas do calor e desencanto derramavam pelos meus poros. Mais uma hora havia morrido. Nova agonia revivida. As mesmas faltas, as mesmas ausências. O que havia nas ruas, fincadas no chão, não existia mais! “Quem sabe mais um passo, dois, três…? No outro quarteirão…! A noite tentava se organizar, mas restavam algumas luzes longe, uns raios de sol numa serrania. Bonito o centro do nosso chão: calçadas caras e brilhantes, lojas ,boutiques enfeitadas, visual que encanta, que chama, cidade verticalizada, rosto de metrópole. Enquanto olhava o belo dos cimentos pincelados com arte, as imagens transbordavam fugitivas, imagens mortas da pequena selva de pedra. Esmaecida pelo calor, sentia-me dissolver: “o nosso planeta está esquentando, o chiar da chuva não vem – As estações não estão mais definidas – O tempo de plantar, o tempo de colher parece não estar mais determinado pela natureza.Os ciclos foram se perdendo na confusão ambiental. Muito “de mais, muito de menos,” desequilíbrio na balança do bem e do mal. Dolorosamente consciente da dor que está chegando devagarzinho, meu corpo quase em estado líquido se incomoda com esta fragilidade, esta aceitação, esse contentar-se com o quase nada ou o nada. Este silêncio me incomoda, tenho receio dele… Uma brisa fragmentada bate em meu rosto, queria repousar, não havia onde. O asfalto cobriu a terra nua, extirpou as raízes que fixavam as árvores no chão. A terra, tímida, vestiu-se de cimento, mas esqueceu-se de enfeitar-se com as folhas balançantes, requebrantes para dançar quando a brisa passar. O chão foi vestido, o asfalto está nu, precisa ser coberto com a beleza do verde e o colorido das flores dos jardins.
Nosso chão antecipadamente agradece o plantio de árvores e flores!
Atenciosamente,
Meu, seu, nosso sertão

Alda  Alves Barbosa

2 pensamentos sobre “PAISAGEM

  1. Alda, Aldinha,
    Cabeça pensante, grande escritora!
    Você nao poderia ter escolhido imagem melhor do que este cãozinho se desintegrando diante da atual situação em que vivemos, com a cidade quase “pelada” de árvores e de calor escaldante. Como diz o “Chaves”: – E agora, quem poderá nos socorrer???

    • Olá Gilda,
      Você é ótima, sempre com suas “tiradas” impecáveis, contextualizadas. Estava pensando no Chapolim… Mas creio que o socorro terá que vir do céu. Só Deus na causa, senão seremos fritos pelo asfalto sem sombras. Gilda, as pessoas me procuram muito, contam cada caso de árvores decepadas por órgão público sem que as raízes estejam afetando a construção… Cimento em cima…
      Com carinho

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